A palavra futuro é um gatilho fantástico para nossa imaginação. As ficções, filmes, séries e documentários exploram isso como ninguém e são as nossas viagens reproduzidas, caracterizadas e com muita assertividade. Falar do futuro do nosso setor é falar da profissão de motorista, e aqui nem precisamos de Hollywood para colocar a imaginação em prática. Talvez o vale do silício seja o maior “streaming” do que vem por aí.
Recentemente tive contato com a mentoria de um programa de trainee para motoristas, e brilhantemente estruturado o projeto traz uma nova forma de abordagem para o ingresso de profissionais do volante nas empresas. O legal desse bate papo foram as reflexões que emergiram e como respondê-las dali em diante. É quase automático ao pensarmos no futuro do transporte imaginarmos os veículos autônomos. Futuro esse que vamos embarcando nas ideias, visualizando os testes, vendo simulações, vídeos, influenciadores falando sobre, mas sem nos dar conta do real impacto que isso poderá causar. O mais óbvio, e que também como passe de mágica vem, é sobre a extinção da profissão do motorista. Faz sentido, porém não vejo aplicabilidade em sua total extensão. O que mais me chama atenção é não compreendermos como nossas empresas serão impactadas com esse futuro. A maioria espera ganhos, vibra e anseia essa possibilidade, acredita que esse futuro é o melhor para gente. Mas no final das contas o que a sua empresa de transporte de cargas faz e entrega? Hoje temos tecnologia para tudo, roteirização, robôs em atendimento, esteiras automáticas, emissões de documentos digitais, pagamentos e compras automatizadas, para quase tudo já existe algum tipo de tecnologia autônoma e vem surgindo mais e mais. Nossas empresas existem porque estamos gerindo pessoas, principalmente a mão de obra mais característica do setor, a do motorista. Gerir esse pessoal não é fácil, mas quando se fala em caminhões autônomos me questiono se ter um intermediário no serviço de entregas como a gente faz sentido, e me coloco numa posição de refletir sobre o futuro dos nossos negócios. Nosso principal ativo não são os bens, são nossa expertise de conectar eles com quem vai operá-los. A partir do momento que isso não é necessário, as montadoras de veículos autônomos, embarcadores, ou qualquer pessoa com capital suficiente para adquirir os equipamentos podem se dar conta que sozinhos fazem o serviço. A dificuldade nos torna essenciais, somos nós quem resolvemos problemas.
Outra vertente quando pensamos no motorista do futuro é sobre nossa visão de empresários ao tentarmos buscar meios para valorizar a profissão visto que cada dia sofremos mais com a redução dessa mão de obra. Hoje estamos numa fase que é “fácil” ser motorista (escuto isso pelos corredores), e olha que tem estrada para ficar mais ainda, caminhões com tecnologia de sobra, tudo automático, quase não quebra, só oficina especializada pode mexer, tem jornada, tem câmera, tem rastreador, celular, rota fixa, escolta, bloqueio, torre de controle, freio automático, sistemas contra tombamentos, tem tudo para seja o melhor dos mundos, seguro e eficaz, basta cumprir as normas e procedimentos, realizar os treinamentos e pronto, está tudo certo. E não se ganha pouco em relação as diversas profissões no mercado. E por que os jovens não querem mais? E por que os filhos dos motoristas não querem seguir os passos dos pais? E por que sofremos com essa carência? Nada do que citei sobre as facilidades de hoje é algo ruim, pelo contrário, são conquistas da profissão e do setor.
Se fizermos um retrospecto, pensando literalmente de traz para a frente e tirando um pouco o olhar de quem precisa financeiramente que apareçam novos candidatos a motoristas, as grandes mudanças que ocorreram e ainda surgem no tangível desses profissionais podem ter tirado o brilho ou parte da essência de uma pessoa escolher para sua vida ser um motorista de caminhão. Pensem aqui comigo, o motorista de antigamente precisava de inúmeras qualidades para de fato ser um motorista, ele precisava conhecer o que estava fazendo, o equipamento, de mecânica, tinha que ser economista, visionário, comercial, entendedor de quase tudo e conhecedor de todos, ele tinha uma liberdade completa da sua vida, ele era um especialista naquilo, tinha orgulho de ser “diferenciado”, ele ganhava o mundo sentado sobre o seu sonho. Onde foi que guardamos isso tudo minha gente?
Lembro-me de ouvir histórias fantásticas sobre as estradas, contadas inclusive por grandes empresários do nosso setor que começaram seu sonho através dessa essência e brilho que a profissão dava. Temos a falsa sensação de que estamos dando valor aos motoristas, e dizendo à sociedade que agora eles são realmente profissionais. O motorista do futuro pode estar no nosso passado, de uma outra forma, com outras demandas, com novas entregas. Mas enquanto não resgatarmos o brilho no olho de uma criança ao ver um caminhão e dizer: “um dia ainda vou dirigir um desse”, o nosso futuro poderá se tornar uma série com poucas temporadas.
Por: Luis Felipe Machado – COMJOVEM São Paulo