Os problemas nas cadeias de suprimentos globais poderão se estender por “vários meses”, uma vez que empresas de transporte marítimo enfrentam dificuldades para contornar “um descompasso entre oferta e demanda” e fazer frente à persistente escassez de contêineres, disse a diretora da Organização Mundial de Comércio (OMC).
Trilhões de dólares de incentivos relacionados à pandemia alimentaram a escalada da demanda de consumo, disse Ngozi Okonjo-Iweala, levando as empresas a acumular estoques agressivamente.
“Quando falo com alguns empresários, há um certo pânico neste ano de que a cadeia de suprimento deles seja impactada”, disse a diretora-geral da OMC em entrevista no Africa Summit do “FT”.
Empresas de transporte marítimo não tinham previsto a força da recuperação, acrescentou ela. “Elas reduzem a disponibilidade de contêineres, que foram deixados nos lugares errados, portanto agora há escassez de contêineres.”
Com a aproximação da temporada de festas em muitas partes do mundo, essas dificuldades tendem a persistir, segundo ela.
A diferença entre as taxas de vacinação estão agravando os problemas, disse Okonjo-Iweala, criando duas classes de recuperação mundial, uma vez que alguns países voltaram com toda a força à vida, enquanto outros foram deixados em dificuldades.
Os países ricos que “vacinaram mais de 50% da população e implementaram estímulos fiscais muito fortes, de bilhões de dólares, estão em um caminho de recuperação melhor do que os países mais pobres, que não têm espaço fiscal e que também têm muito pouco acesso a vacinas”, disse ela.
“O fato de 60% ou mais das pessoas de países ricos terem sido vacinadas, contra menos de 2% nos países pobres, simplesmente dá ideia do grau de divergência.”
Ela acrescentou que houve uma falha da liderança mundial em garantir que as vacinas fossem distribuídas de maneira mais equitativa no mundo inteiro.
“Temos a tecnologia para salvar vidas, mas não conseguimos fazer com que ela chegue onde se precisa”, disse ela. Os países ricos tinham prometido centenas de milhões de doses aos mais pobres, mas “eles simplesmente não estão traduzindo isso em distribuição” para onde elas são necessárias.
No entanto, Okonjo-Iweala desqualificou preocupações de que uma guerra comercial entre China e os EUA possa levar a um descolamento do comércio mundial que prejudicaria o crescimento. “Quando ouvimos a retórica de ambos os países, podemos ter esse descolamento, mas as evidências que vemos na prática com relação ao comércio internacional não sustentam essa teoria do descolamento”, acrescentou.
O comércio entre a UE e a China é forte, disse ela. “Os dados estatísticos sobre comércio de bens entre as grandes potências são muito robustos.” Mesmo se quisessem, os países não conseguiriam se descolar tanto quanto gostariam. “Não é tão fácil desfazer cadeias de suprimentos, elas são muito complicadas para muitos produtos.”
Okonjo-Iweala disse que a Área de Livre Comércio da África Continental, que abrange 54 países e entrou em funcionamento neste ano, tem o poder de transformar o potencial comercial e industrial do continente. A África responde por apenas cerca de 4% do comércio mundial, e a maioria de suas exportações sai do continente sem passar por processamento.
Embora a área de livre comércio precise de melhorias significativas nos marcos regulatórios, bem como em infraestrutura física, entre países, a criação de um mercado único de 1,3 bilhão de pessoas tem enorme potencial para reverter décadas de desindustrialização.