Para órgão, diversos instrumentos de planejamento para o transporte não promovem integração satisfatória dos modais
O Tribunal de Contas da União (TCU) tornou público ao final de 2022 documento intitulado “Lista de Alto Risco na Administração Pública Federal” [1], e, mais do que isso, entregou esse material à coordenadoria do gabinete de transição governamental.
E em capítulo sobre Planejamento e Priorização da Integração Multimodal nos Transportes o TCU constatou que os diversos instrumentos de planejamento governamental para o transporte não conseguem promover a integração satisfatória dos modais, situação que prejudica o planejamento do setor e a racionalização dos investimentos públicos; isto, em decorrência de problemas de falha de planejamento, fragilidade na integração e utilização dos modais de transporte, falta de uniformização nos critérios de priorização de projetos e investimentos nesse setor. [2]
Para o enfrentamento da Regulação e Fiscalização dos Transportes RODOVIáRIO e Ferroviário foi identificada ausência de boas práticas de planejamento de gestão consubstanciadas em não concretização de obras e, ainda mais grave, a celebração de termos aditivos contratuais para inclusão de relevantes investimentos não previstos inicialmente.[3]
A corroborar os problemas identificados pelo TCU, destaca-se que a Confederação Nacional do Transporte (CNT) afirma, na pessoa de seu presidente e em entrevista publicada na Revista CNT Transporte Atual [4],que a malha rodoviária brasileira apresenta piora considerável de qualidade. Dos 110.333 km avaliados em 2022, mais da metade apresenta problemas.
O estudo realizado pela CNT, desde 1995 e em apertada síntese, promove a avaliação dos seguintes critérios: Pavimento, Sinalização, Geometria da Via e pontos críticos; sendo que para o ano de 2022 identificou na característica pavimento que 55,5% (61.311 quilômetros) da extensão encontram-se em estado Regular, Ruim ou Péssimo. Para o quesito sinalização 60,7% (66.985 quilômetros) foram considerados deficientes (Regular, Ruim ou Péssimo), enquanto para Geometria da Via, este valor corresponde a 63,9% (70.445 quilômetros).
Em preocupante conclusão, esse estudo informa que é necessária a estruturação de ações voltadas à melhoria das rodovias brasileiras. Afinal, mais de 95% das viagens de passageiros e 65% da movimentação de cargas no Brasil são por rodovias. A modalidade rodoviária é a principal do país e precisa de uma atenção maior do que a atual; pois, caso contrário, o processo de reconstrução e recuperação de infraestrutura será mais alto e o custo ainda maior.
A propósito da movimentação de cargas no país pelo modal rodoviária na ordem de 65%, como tecnicamente apurado pela CNT, tem-se que ao se analisar os tipos de cargas mais frequentes no modal rodoviário de transportes, é possível perceber que boa parte delas está relacionada ao escoamento de produtos originários do agronegócio. Esse fato não é mera coincidência, já que o setor é mais produtivo do país.
O agronegócio tem logística de excelência, sendo contribuinte na evolução tecnológica permanente de nossos processos logísticos.[5]
Mas, infelizmente, não é essa a leitura e esforços feitos pelo Ministério Público Federal (MPF) para o tema, uma vez que, de modo raso e equivocado, o “Parquet” houve por bem afirmar que o setor de transporte de cargas realizado pelo modal rodoviário é o grande responsável pela má conservação das estradas nacionais e mais do que isso, responsável pelos acidentes de trânsito, e consequentemente isentando o Estado dos problemas assertivamente apurados pelo TCU. Repita-se: “ausência de boas práticas de planejamento de gestão consubstanciadas em não concretização de obras”.
Daí que, a partir dessa equivocada premissa, o MPF busca obter indenizações milionárias daqueles que exploram o serviço de transporte de cargas no Brasil. E o erro cometido pelo MPF está ancorado no fato de que sua argumentação reativa deixa de considerar diversas variáveis que devem ser observadas para quaisquer exames a se fazer para a matéria, dentre esses o estado das rodovias brasileiras, combinado à progressiva diminuição de investimentos em infraestrutura no modal rodoviário ao longo do tempo, conforme já apontado pelo TCU e CNT, a distinção verificada para o controle de peso pelo embarcador e os inúmeros fatores de influência no sobrepeso, como o tipo de carga e acondicionamento e erro de balanças (peso bruto e peso por eixo).
Mais que isso, apesar de toda tecnologia empregada pelo setor para a realização correta, legítima e controle do Peso Bruto nas operações de carregamento e embarcação, fatores externos dificultam o controle do Peso Por Eixo, como a heterogeneidade e elevada idade média da frota nacional de caminhões, geometria e qualidade das vias das rotas utilizadas, como constatado pela CNT, frenagens e acelerações do veículo durante o trajeto etc.; sendo que toda essa complexidade foi explicitamente ignorada pelo MPF.
Não fossem bastantes as razões acima para se reclamar reflexão e posterior nova e correta tomada de direção e rumo sobre o exame do assunto , tem-se que o caráter punitivo requerido pelo fiscal da lei está eivado de graves instabilidades de ordem teórica e empírica nos modelos empregados para cálculo de danos: (i) o pavimento cujo dano teria sido causado pelo usuário seria novo; (ii) a vida útil das rodovias seria muito mais longa do que a realidade se mostra, isto, a qualidade dos pisos e a ausência de manutenções preditivas, preventivas e corretivas reduzem em muito a vida útil estimada; (iii) os diferentes meios de apuração do peso por eixo, a ausência de legislação especifica para apuração do peso por eixo de carga a granel, e a ausência de comprovação de danos/desgaste do piso; (iv) a estimativa de valor dos danos muito acima do racional; entre tantos outros graves equívocos que trazem relevantes impactos para os usuários apenados com a responsabilidade em indenizar o mau estado das rodovias.
Mais que isso, essa visão deturpada do grave problema das rodovias brasileiras é aceita e convalidada pelo Poder Judiciário, que em diversos processos se mostrou favorável à responsabilização dos usuários (e não como apurado pelo TCU, do Estado) pelo mau estado de conservação das rodovias brasileiras. E tal entendimento tem sido adotado ainda que não se prove a contribuição do usuário para o dano. Por outro giro, o posicionamento adotado pelo MPF e ratificado pelo Judiciário exime o Estado de quaisquer responsabilidades sobre o problema, o que ao final se torna um desincentivo para a fiscalização da frota e para a manutenção das rodovias, o que é grave e está em flagrante rota de colisão com os diversos julgados do TCU.