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Rodovias duplicam só 22% do prometido

por | mar 12, 2019 | Rodoviário

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Chapéu:

Em cinco anos recém-completados de contrato, as rodovias federais transferidas à iniciativa privada pela ex-presidente Dilma Rousseff entre 2013 e 2014 duplicaram menos de um quarto dos trechos prometidos na época das licitações. Pior ainda: os cinco grupos que administram essas estradas fizeram as obras necessárias para iniciar a cobrança de pedágio, mas nem sequer começaram os trabalhos nas áreas com fluxo mais pesado das concessões.

 
Promessa – Contornos rodoviários em grandes cidades e duplicações em travessias urbanas ou em trechos com alto movimento de caminhões ficaram só na promessa.

 
Tarifas – Apesar do descumprimento, as tarifas de pedágio cobradas dos usuários em todos esses contratos subiram muito acima da inflação acumulada no período, segundo o Tribunal de Contas da União (TCU). Um relatório ainda inédito do órgão de controle, ao qual o Valor teve acesso, aponta que as tarifas aumentaram entre 51,3% e 93,5% durante a vigência das concessões. Enquanto isso, o IPCA (índice oficial de inflação) variou menos de 40% desde 2013.

 
Leilão – Naquele ano, foram leiloados cinco trechos de rodovias federais nas regiões Sudeste e Centro-Oeste. Com foco em reduzir custos logísticos do agronegócio, o governo privilegiou corredores com forte movimentação de cargas. Na chamada terceira etapa de concessões, a grande inovação foi exigir que as pistas fossem duplicadas por inteiro em um prazo máximo de 60 meses a partir da data de assinatura dos contratos, independentemente do tráfego.

 
Críticas – Houve críticas do mercado, mas Dilma via a obrigatoriedade de duplicação como uma “cláusula pétrea” dos novos contratos. Diante do sucesso dos leilões, que tiveram disputa e deságio nas tarifas-teto, ela aproveitou cerimônia com concessionárias para fazer uma reflexão: “Houve desconfiança, gente pessimista em relação [ao programa]. Aproveito e uso uma imagem feita pelo grande Nelson Rodrigues, que dizia que os pessimistas fazem parte da paisagem, assim como os morros e as praças. É da vida, da condição humana, agora todos nós que temos de fazer somos aqueles que têm de acreditar que é possível mudar a paisagem”.

 
Pouca mudança – Passados os 60 meses, a paisagem mudou pouco. Foram efetivamente duplicados apenas 597 dos 2.683 quilômetros exigidos (cerca de 22% do total), conforme informações enviadas ao Valor por cada uma das concessionárias. Outros trechos das rodovias já estavam com pista dupla quando elas assumiram as operações.

 
Cobrança – Os pedágios começaram a ser cobrados com 10% da duplicação executada, como determinado nos editais. As obras, contudo, ignoraram partes mais críticas das rodovias. Ou seja: não houve aumento de capacidade onde o movimento é mais pesado, perde-se mais tempo com congestionamentos e existem mais chances de acidentes.

 
Complicações – Uma série de complicações explica isso. A CCR, responsável pela BR-163 em Mato Grosso do Sul, alega que o atraso e o fracionamento de licenças ambientais prejudicaram intervenções previstas no anel de Campo Grande.

 
Autorizações – No caso da BR-040, da Invepar, até hoje faltam autorizações de órgãos envolvidos no licenciamento para obras no trecho de maior demanda da concessão: entre Nova Lima e Congonhas (MG).

 
Projetos defasados – A MGO, que administra a BR-050 e única concessionária ainda em dia com as suas obrigações, afirma ter recebido projetos de engenharia defasados para ampliar a travessia urbana dos municípios goianos de Cristalina e Catalão. Há conversas com as prefeituras e com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para atualização desses projetos antes das obras.

 
Combinação explosiva – De forma geral, a combinação de problemas é explosiva. Com a eclosão da Lava-Jato, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – que financiaria até 70% dos investimentos com taxas subsidiadas – apertou o crédito às construtoras e não liberou os recursos nas condições prometidas inicialmente.

 
Demandas – A demanda projetada nos estudos do governo e nos planos de negócio das empresas vencedoras jamais se concretizou. O tombo na economia, a partir de 2015, frustrou todas as estimativas da época. No caso da BR-163 (MS), a CCR informou que o volume de tráfego se encontra 33% abaixo do previsto. A Odebrecht, operadora da BR-163 (MT), diz ter observado no ano passado uma “frustração” de 17% do fluxo de veículos sobre o calculado na época dos leilões.

 
MP – Em setembro de 2017, o ex-presidente Michel Temer assinou uma medida provisória repactuando as obrigações contratuais. A MP 800 esticava de cinco para 14 anos o prazo para duplicação total das rodovias. Houve resistência dos parlamentares, o governo estava desarticulado politicamente e o texto acabou perdendo vigência sem ter sido votado.

 
Situação delicada – O atual ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, reconhece que a situação é delicada e precisa ser enfrentada.

 
Convergência – Ele descarta, no entanto, a edição de uma nova MP ou de um projeto de lei para tratar do assunto. Para o ministro, um desfecho deve ser objeto de convergência entre os principais atores envolvidos: governadores dos Estados por onde passam as rodovias, TCU e Ministério Público, além de comissões setoriais da Câmara dos Deputados e do Senado.

 
Cardápio de opções – “Temos um cardápio de opções sobre a mesa”, disse Freitas ao Valor. Uma delas é aguardar os processos administrativos da ANTT, que podem resultar em caducidade das concessões. Outra seria viabilizar a devolução amigável dos ativos pelas concessionárias inadimplentes. Em ambos os casos, caberia ao governo organizar uma nova licitação das estradas.

 
Desvantagens – “Vejo como uma excelente solução regulatória, mas pode gerar contestações judiciais e discussões sobre investimentos não amortizados”, afirma. O ministro pondera, em seguida, potenciais desvantagens. Leva-se de um ano e meio a dois anos para estruturar uma nova concessão e relicitá-la. As duplicações demorariam mais tempo para serem feitas. Devido às condições macroeconômicas piores do que em 2013, seria difícil conseguir tarifas de pedágio tão baixas.

 
Reprogramação – A terceira possibilidade é reprogramar o cronograma de investimentos das atuais concessionárias, por meio das revisões tarifárias quinquenais da ANTT, dando mais tempo para a execução das obras. Para não comprometer o fluxo de caixa das empresas, o desconto nos pedágios ficaria para a reta final dos contratos. Essa alternativa tem a simpatia do ministro.

 
Investidores – “É ruim como mensagem aos investidores. Pode passar um recado de que as empresas foram irresponsáveis e estão recebendo uma indulgência do governo. Mas tende a preservar melhor o interesse dos usuários”, acredita o ministro. “Hoje estamos inclinados por isso, mas reconhecendo a fragilidade. Não temos como tomar uma decisão sozinhos. Todo mundo tem que estar de acordo com o caminho a ser escolhido.”