Apesar de positivas, as decisões dos primeiros 100 dias de Jair Bolsonaro na presidência são consideradas pontuais e insuficientes para expandir a economia. Com o governo ancorado em “heranças” da gestão passada, a articulação POLíTICA ainda é o grande desafio.
Dentre as principais ações vistas em pouco mais de três meses da administração Bolsonaro, os maiores destaques estão na contenção de gastos públicos e no programa de concessões e privatizações, com leilões de aeroportos, ferrovias e terminais portuários nos últimos dois meses.
“Mas é importante ressaltar que do que temos de concreto até agora são apenas projetos que já estavam programados [no governo de Michel Temer] e que tiveram uma continuidade”, comenta a economista da Coface para a América Latina, Patrícia Krause. “Também há a expectativa de que algumas medidas de abertura da economia seriam anunciadas neste mês mas, por enquanto, são apenas rumores”, acrescenta.
Caminhando na base das expectativas, porém, a maior parte das promessas feitas tanto pelo atual presidente como também pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda não tomaram corpo ou pouco foram discutidas dentro da nova administração.
“Houve algum sucesso com os leilões, mas outras propostas de abertura comercial e privatização carecem de um referencial maior. É preciso traçar esses parâmetros de forma inteligente e conduzir muito em conjunto com o setor privado. Mas as ideologias que prevalecem nas relações internacionais e a agenda gigantesca que se formou com a junção dos ministérios evidenciam um enorme elefante branco na sala do governo”, explica o vice-presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), Antonio Corrêa de Lacerda.
A falta de pautas com reflexos de mais curto prazo que promovam a maior confiança para investimentos e consumo também interferem na percepção dos resultados. “A facilidade na entrada do capital estrangeiro no País ainda não tem frutos que possamos colher e não há discussão sobre reformas microeconômicas de efeito imediato. O que temos de entusiasmo na Bolsa [de Valores] e no dólar sem grandes oscilações é só otimismo”, pontua Krause.
“Há um foco exagerado em termos da reforma da Previdência e um relacionamento não tão fácil entre os empresários e a equipe de Guedes. Sem uma ação integrada que possa ativar o consumo, a economia continuará travada. Medidas pontuais são insuficientes para incentivar a atividade econômica”, completa Lacerda.
Período de aprendizado Sob um ponto de vista mais ponderado, no entanto, a estimativa é de que a agenda caminhe gradualmente para gerar demandas maiores de consumo e investimentos ao final deste ano e no começo de 2020. Segundo o presidente do conselho de economia, sociologia e política da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (FecomercioSP), Antonio Lanzana, “o gás” da economia está apoiado em medidas que ainda estão por vir.
“Além da manutenção do teto de gastos e do programa de privatizações, ainda existem questões muito promissoras que começam a evoluir no governo. A abertura comercial deve diminuir alíquotas, aumentar a produtividade e absorver novas tecnologias. E tudo isso também passa por um ambiente mais favorável aos negócios. Nesse ponto, também apoiamos a simplificação e a desburocratização para as empresas “, afirma.
Lanzana pondera, porém, o “período de aprendizado” necessário não apenas para que as medidas econômicas avancem, mas também para que a capacidade de articulação do Presidente melhore no âmbito do Congresso Nacional.
“A economia ainda vai andar de lado ao longo deste ano e deve trazer impactos mais significativos só a partir de 2020 e seria ingenuidade dizer que todo esse avanço não tem a ver com política. A articulação é fundamental e foi muito mal feita até agora. Mas tudo é um processo”, analisa o executivo.
“Claramente não houve uma hecatombe nesses 100 primeiros dias, mas a inação do governo e a falta de avanço são questões complicadas. O ajuste fiscal só vem com crescimento econômico e a estagnação que estamos depois da crise que tivemos, é uma tragédia”, conclui Lacerda.