- INTRODUÇÃO
O Supremo Tribunal Federal proferiu decisão nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322 trazendo significativas alterações na Lei 13.103/15 que regulamenta a profissão do motorista e que alterou a CLT e o CTB.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) é uma das ações especiais ajuizada diretamente no Supremo Tribunal Federal visando a declaração de inconstitucionalidade de lei, ato normativo federal ou estadual e somente pode ser proposta pelo presidente da República, pelos presidentes do Senado, da Câmara dos Deputados ou de Assembléia Legislativa, pela Ordem dos Advogados do Brasil, pelo procurador-geral da República, por partido político e por entidade sindical de âmbito nacional.
Possui previsão no artigo 102, inciso I, letra a, da Constituição Federal, na Lei 9.868/99 e no Regimento Interno do STF e há necessidade de manifestação nos autos do Advogado-geral da União e do o Procurador-Geral da República.
É cabível pedido de medida cautelar, cuja concessão somente pode ser feita pela maioria absoluta dos ministros que compõem o Tribunal, ou seja, por seis votos, haja vista que o Pleno do STF é composto por onze ministros.
Em casos excepcionais e de urgência, a cautelar poderá ser deferida sem que sejam ouvidas as autoridades de quem emanou a lei e uma vez proposta a ADI, não se admite desistência.
Como regra a declaração de inconstitucionalidade passa a surtir efeitos imediatamente, a partir da publicação da certidão de julgamento conforme jurisprudência do STF, salvo disposição expressa em contrário do próprio tribunal.
Quando a decisão comprometer a segurança jurídica ou excepcional interesse social estiver em risco, o STF poderá modular os efeitos da decisão, ou seja, pode restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do trânsito em julgado ou em outro momento a ser fixado, dependendo esta decisão da aprovação de 2/3 dos ministros que integram a Corte, o que se costuma chamar de modulação, conforme prevê o artigo 27 da Lei 9.868/99.
De acordo com o art.28, da lei 9.868/99, a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.
Feitas essas considerações iniciais analisaremos a seguir o que o STF julgou na ADI 5322 que discute a constitucionalidade de vários dispositivos da Lei 13.103/15.
A primeira Lei do Motorista foi a 12.619/12 elaborada através de um entendimento entre o segmento econômico do transporte RODOVIáRIO, trabalhadores e Ministério Público do Trabalho e trouxe inovações importantes tais como a obrigatoriedade do controle fidedigno da jornada, tempo de espera, tempo de reserva e seguro obrigatório.
Diferentemente da Lei 12.619/12 que foi negociada entre os atores sociais, a Lei 13.103/15 teve iniciativa das entidades representativas dos embarcadores do transporte rodoviário de cargas, sobretudo do agronegócio, preocupadas com um possível aumento de custo do transporte em razão das alterações trazidas pela Lei 12.619/12.
Vale lembrar que a Lei 13.103/15 revogou alguns dispositivos da Lei 12.619/12, trazendo outras inovações importantes, mas alterou sensivelmente o tempo de espera, inclusive reduzindo a sua indenização que antes era correspondente a hora mais 30% para 30% sobre a hora-normal, além de permitir que as horas do tempo de espera pudessem ser consideradas dentro da jornada e não apenas após a jornada normal de trabalho como previa a Lei 12.619/12.
- A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5322
A ADI 5322 foi proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres (CNTTT), em 20/05/2015, com intuito de obter a declaração de inconstitucionalidade de vários dispositivos da Lei 13.103/15 e apenas em 15/09/2021 teve início o julgamento.
Após alguns adiamentos o julgamento foi concluído em 30/06/2023 e por maioria, prevalecendo o voto do Ministro Alexandre de Moraes, foram declarados inconstitucionais quatro temas dos vários que foram questionados na referida ADI.
Em 12/07/2023 foi publicada a certidão de julgamento o que, de acordo com a jurisprudência do STF, é suficiente para que a decisão possa surtir efeitos e, em 30/08/2023, foi publicado o acórdão, cuja ementa é a seguinte:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL E TRABALHISTA. CLT – LEI 13.103/2015. POSSIBILIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE MOTORISTA. NECESSIDADE DE ABSOLUTO RESPEITO AOS DIREITOS SOCIAIS E ÀS NORMAS DE PROTEÇÃO AO TRABALHADOR PREVISTAS NO ARTIGO 7º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RAZOABILIDADE NA PREVISÃO DE NORMAS DE SEGURANÇA VIÁRIA. PARCIAL PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
1. Compete ao Congresso Nacional regulamentar, especificamente, a profissão de motorista profissional de cargas e de passageiros, respeitando os direitos sociais e as normas de proteção ao trabalhador previstos na Constituição Federal.
2. São legítimas e razoáveis as restrições ao exercício da profissão de motorista em previsões de normas visando à segurança viária em defesa da vida e da sociedade, não violando o texto constitucional a previsão em lei da exigência de exame toxicológico.
3. Reconhecimento da autonomia das negociações coletivas (art. 7º, XXVI, da CF). Constitucionalidade da redução e/ou fracionamento do intervalo intrajornada dos motoristas profissionais, desde que ajustado em acordo ou convenção coletiva de trabalho.
4. A Constituição Federal não determinou um limite máximo de prestação em serviço extraordinário, de modo que compete à negociação coletiva de trabalho examinar a possibilidade de prorrogação da jornada da categoria por até quatro horas, em sintonia com a previsão constitucional disciplinada no art. 7º, XXVI, da CF.
5. Constitucionalidade da norma que prevê a possibilidade, excepcional e justificada, de o motorista profissional prorrogar a jornada de trabalho pelo tempo necessário até o veículo chegar a um local seguro ou ao destino.
6. O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL fixou orientação no sentido da constitucionalidade da adoção da jornada especial de 12 x 36, em regime de compensação de horários (art. 7º, XIII, da CF).
7. Não há inconstitucionalidade da norma que prevê o pagamento do motorista profissional por meio de remuneração variável, que, inclusive, possui assento constitucional, conforme disposto no inciso VII do art. 7º da Constituição Federal.
8. Compete ao Ministério do Trabalho e Emprego a regulamentação das condições de segurança, sanitárias e de conforto nos locais de espera, repouso e descanso dos motoristas profissionais de cargas e passageiros.
9. É inconstitucional o dispositivo legal que permite a redução e/ou o fracionamento dos intervalos interjornadas e do descanso semanal remunerado. Normas constitucionais de proteção da saúde do trabalhador (art. 7º, XXII, da CF).
10. Inconstitucionalidade na exclusão do tempo de trabalho efetivo do motorista profissional, quando está à disposição do empregador durante o carregamento/descarregamento de mercadorias, ou ainda durante fiscalização em barreiras fiscais ou alfandegárias, conhecido como “tempo de espera”. Impossibilidade de decote da jornada normal de trabalho e nem da jornada extraordinária, sob pena de desvirtuar a própria relação jurídica trabalhista reconhecida.
11. Inconstitucionalidade de normas da Lei 13.103/2015 ao prever hipótese de descanso de motorista com o veículo em movimento. Prejuízo ao efetivo descanso do trabalhador.
12. PARCIAL CONHECIMENTO DA AÇÃO DIRETA COM PARCIAL PROCEDÊNCIA, DECLARANDO INCONSTITUCIONAIS: (a) a expressão “sendo facultados o seu fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo estabelecida pela Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasileiro, garantidos o mínimo de 8 (oito) horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das 16 (dezesseis) horas seguintes ao fim do primeiro período”, prevista na parte final do § 3º do art. 235-C; (b) a expressão “não sendo computadas como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias”, prevista na parte final do § 8º do art. 235-C; (c) a expressão “e o tempo de espera”, disposta na parte final do § 1º do art. 235-C, por arrastamento; (d) o § 9º do art. 235-C da CLT, sem efeito repristinatório; (e) a expressão “as quais não serão consideradas como parte da jornada de trabalho, ficando garantido, porém, o gozo do descanso de 8 (oito) horas ininterruptas aludido no § 3º do § 12 do art. 235-C”; (f) a expressão “usufruído no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou ao seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido repouso”, constante do caput do art.235-D; (g) o § 1º do art. 235-D; (h) o § 2º do art. 235-D; (i) o § 5º do art. 235-D; (j) o inciso III do art. 235-E, todos da CLT, com a redação dada pelo art.6º da Lei 13.103/2015; e (k) a expressão “que podem ser fracionadas, usufruídas no veículo e coincidir com os intervalos mencionados no § 1º, observadas no primeiro período 8 (oito) horas ininterruptas de descanso”, na forma como prevista no § 3º do art. 67-C do CTB, com redação dada pelo art. 7º da Lei 13.103/2015.”
- TEMAS DECLARADOS CONSTITUCIONAIS
Antes de analisarmos os quatro temas declarados inconstitucionais pelo STF e que estão causando grande preocupação no mundo jurídico e empresarial, vale destacar os demais que o STF declarou constitucionais e que também são de grande relevância para o transporte rodoviário de cargas e de passageiros.
3.1. Redução do intervalo para refeição através de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho (CLT, art.71, par.5)
A Lei 13.103/15 acrescentou o par.5º, ao artigo 71 da CLT para prever que o intervalo intrajornada estabelecido no caput poderá ser reduzido e/ou fracionado e o previsto no par.1º poderá ser fracionado, quando compreendido entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo, em razão da natureza do serviço e em virtude das condições especiais de trabalho a que estão submetidos os motoristas, cobradores, fiscalização de campo e afins nos serviços de operação de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de passageiros, mantida a remuneração e concedidos intervalos para descanso menores ao final de cada viagem.
Em seu voto, o ministro Alexandre de Moraes entendeu que de modo geral, os acordos e convenções coletivas de trabalho não devem sofrer interferências externas no seu conteúdo, em respeito à autonomia de vontade que os fundamenta. Declara ser excesso de paternalismo julgar inconstitucional uma norma legal que remete ao campo da autonomia privada coletiva a fixação de trabalho e emprego de determinada categoria profissional como no caso do artigo 71, par.5º, da CLT, que não afronta o artigo 7º, XXII, da CF e encontra respaldo no artigo 611-A, III, da CLT.
3.2. Exame toxicológico de larga janela de detecção (CLT, art.168, par.6º e 7º e CTB, art.148-A)
A Lei 13.103/15 deu nova redação ao art.168 do CLT, para inserir os par.6º e 7º, dispondo que serão exigidos exames toxicológicos, previamente à admissão e por ocasião do desligamento, quando se tratar de motorista profissional, assegurados o direito a contraprova em caso de resultado positivo e a confidencialidade dos resultados dos respectivos exames.
O referido exame é obrigatório para a admissão e a demissão de motorista profissional empregado, em 1 ano a partir da entrada em vigor da Lei 13.103 (art.13, II) e deverá ter janela de detecção mínima de 90 dias, específico para substâncias psicoativas que causem dependência ou, comprovadamente, comprometam a capacidade de direção, sendo possível a utilização do exame toxicológico previsto no CTB, desde que realizado nos últimos 60 dias.
A Lei 13.103/15 trouxe a obrigação do motorista empregado se submeter a exames toxicológicos com janela de detecção mínima de 90 dias e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado, pelo menos uma vez a cada 2 anos e 6 meses, podendo ser utilizado para esse fim o exame obrigatório previsto no CTB, desde que realizado nos últimos 60 dias (art.235-B, VII, CLT).
Vale destacar que continua a disposição legal de que a recusa do empregado em submeter-se ao teste ou ao programa de controle de uso de droga e bebida alcoólica será considerada infração disciplinar, passível de penalização nos termos da lei (art.235-B, VII, CLT).
De acordo com o STF a alteração legislativa tem por principal finalidade melhorar a segurança no trânsito o que vem ao encontro do que está previsto no par.10º do art.144 da CF inserido pela Emenda Constitucional 82/2014, que disciplina a segurança viária no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
O acórdão reconhece que os dispositivos impugnados são fruto de políticas públicas tendentes a minorar os perigos das estradas brasileiras no que diz respeito ao uso de substâncias psicoativas por parte de motoristas profissionais, que, em sua grande maioria, trafegam nas vias públicas todos os dias, exercendo uma atividade extremamente importante para a economia nacional.
Por fim, entende o STF que a exigência dos exames toxicológicos por ocasião da: a) admissão; b) desligamento; c) habilitação da CNH; d) renovação da CNH; e e) periodicamente a cada dois anos e seis meses, impõe razoável e legítima restrição ao exercício da profissão de motorista, reduzindo os riscos sociais inerentes à categoria e preservando a incolumidade de todos os usuários de vias públicas, tendo havido o cuidado de preservar a intimidade dos motoristas ao assegurar a confidencialidade do resultado do exame.
3.3. Aplicação da Lei 13.103/15 apenas ao motorista empregado TRC/TRP (CLT, 235-A)
O artigo 235-A da CLT dispõe claramente que os preceitos contidos na Seção IV-A da CLT aplicam-se tanto ao motorista do transporte rodoviário de cargas quanto ao motorista de transporte rodoviário coletivo de passageiros.
O STF entendeu que não procede a alegação de que o artigo 235-A da CLT, com a redação dada pelo art.6º da Lei 13.103/15, seria inconstitucional simplesmente por ter excluído do seu âmbito de incidência motoristas profissionais que atuam em outras áreas, pois cabe ao Poder Legislativo elencar, com base nas suas atribuições constitucionais, qual ou quais profissões mereçam receber tratamento por meio de lei, concluindo pela constitucionalidade do referido dispositivo.
3.4. Prorrogação da jornada em até 4 horas extras por Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho (CLT, 235-C, caput)
A Lei 13.103 inseriu na CLT o art.235-C para dispor que a jornada de trabalho do motorista profissional é de 8 horas diárias, admitindo-se a sua prorrogação por até 2 horas extras ou, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo, por até 4 horas extras.
Para o STF, embora a CF determine, no art.7º, XVI, uma remuneração pelo serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à hora normal, o texto constitucional não impõe um limite máximo de horas extras que podem ser realizadas pelo trabalhador, sendo que a profissão de motorista possui regramento especial em razão da própria dinâmica que envolve o transporte rodoviário de pessoas e de cargas, sendo autorizada a prestação de trabalho extraordinário até quatro horas, por intermédio de negociação coletiva.
O acórdão declara que não há afronta ao texto constitucional, pois a expressão impugnada não diz respeito ao trabalho ordinário prestado pelo motorista e sim o laborado em caráter excepcional e a Carta Magna não determinou um limite máximo de prestação de serviço extraordinário, remetendo a norma impugnada ao campo da negociação coletiva a possibilidade de prorrogação da jornada diária por até quatro diárias em conformidade com o art.7º, XXVI da CF.
3.5. Jornada de trabalho flexível (CLT, 235-C, par.13º)
O artigo 235-C, par.13, da CLT dispõe que, salvo previsão contratual, a jornada de trabalho do motorista empregado não tem horário fixo de início, de final ou de intervalos, o que consiste em alteração positiva para que fique bem esclarecido que a dinâmica da atividade profissional do motorista inviabiliza que o mesmo possa ter horário fixo de início e término de sua jornada, lembrando que os repousos e as pausas obrigatórias sempre deverão ser observados.
De acordo com o STF a Constituição Federal não definiu parâmetros quanto ao início ou término do horário de trabalho, estabelecendo apenas o padrão da jornada de trabalho, compreendido entre oito horas diárias e quarenta e quatro semanais (CF, art.7º, XIII), declarando constitucional a jornada de trabalho flexível de que trata o artigo 235.-C, par.13º da CLT.
Vale ressaltar que o STF reconhece que tanto o motorista do transporte rodoviário de passageiros ou de cargas, exerce uma atividade tipicamente dinâmica que exige por vezes uma maior flexibilidade em relação ao início e término de sua jornada diária de trabalho e por essa razão o legislador deixou a cargo do empregador, de acordo com a necessidade da atividade exercida, a definição do melhor horário para o início e término da jornada de trabalho dos motoristas empregados, devendo ser respeitados os limites legais da jornada diária de trabalho.
- Dispensa do motorista do serviço, após o cumprimento da jornada normal em viagens de longas distâncias (CLT, 235-D, par.3º)
O art.235-D, par.3º da CLT estabelece que o motorista empregado, em viagem de longa distância, que ficar com o veículo parado após o cumprimento da jornada normal ou das horas extraordinárias fica dispensado do serviço, exceto se for expressamente autorizada a sua permanência junto ao veículo pelo empregador, hipótese em que o tempo será considerado de espera.
O STF entendeu que tal dispositivo não viola o art.7º, XV e XXII da CF, pois se trata de norma que versa sobre a organização da atividade econômica direcionada ao empregador, que possui a prerrogativa de estabelecer os meios para a melhor prestação de serviços.
3.7. Extrapolação da jornada pelo tempo necessário para chegada a um local seguro ou ao seu destino (CLT, art.235-D, par.6º)
A Lei 13.103/15 alterou a regra prevista na Lei 12.619/12 estabelecendo que em situações excepcionais de inobservância justificada do limite de que trata o art.235-C, devidamente registradas, e desde que não se comprometa a segurança rodoviária, a duração da jornada de trabalho do motorista profissional empregado poderá ser elevada pelo tempo necessário até o veículo chegar a um local seguro ou ao seu destino.
A referida regra já constava na Lei 12.619/12, mas no artigo 235-E par.9º, da CLT, sendo situação de força maior devidamente comprovada.
Para o STF o art.235-D, par.6º, da CLT não possui inconstitucionalidade, pois apenas prevê uma possibilidade, excepcional e justificada, de o motorista profissional prorrogar a jornada de trabalho pelo tempo necessário até o veículo chegar a um local seguro ou ao destino, sendo que o texto legal condiciona a excepcional prorrogação da jornada normal ao respeito das normas de segurança rodoviária.
Vale lembrar que a situação excepcional prevista no referido dispositivo legal deve ser devidamente registrada no controle de horário e acarreta a obrigação de pagamento de horas extras ao motorista profissional em razão da prorrogação da jornada normal de trabalho.
3.8. Intervalo de repouso diário nos casos em que o motorista tenha que acompanhar o veículo embarcado (CLT, 235-D, par.7º)
A lei 13.103/15 trouxe um novo disciplinamento para os casos em que o motorista tenha que acompanhar o veículo transportado por qualquer meio onde ele siga embarcado e em que o veículo disponha de cabine leito ou a embarcação disponha de alojamento para gozo do intervalo de repouso diário previsto no par.3º, do artigo 235-C (11 hs de descanso), considerando esse tempo como de descanso (art.235-D, par.7º, CLT).
O STF afastou o pedido de inconstitucionalidade do referido dispositivo aduzindo que a situação não se confunde com o tempo de prontidão de que trata o art.244, par.3º, da CLT, pois a norma impugnada tratou de tempo de descanso, institutos que não se confundem, sendo que no referido período o motorista não fica aguardando ordens do empregador, não se enquadrando como jornada de trabalho.
Além disso, o acórdão destaca que o legislador condicionou tal fruição do tempo de descanso em local onde o veículo siga embarcado à existência no veículo de cabine-leito ou que a embarcação disponha de alojamento para gozo do intervalo de repouso diário.
3.9. Condições de trabalho específicas para o transporte de cargas vivas, perecíveis e especiais em longas distâncias ou no exterior (CLT, 235-D, par.8º)
O artigo 235-C, par.8º, da CLT, com a redação trazida pela lei 13.103/15 estabelece que, para o transporte de cargas vivas, perecíveis e especiais em longa distância ou em território estrangeiro poderão ser aplicadas regras conforme a especificidade da operação de transporte realizada, cujas condições de trabalho serão fixadas em convenção ou acordo coletivo de modo a assegurar as adequadas condições de viagem e entrega ao destino final.
Trata-se de importante previsão legal para que se possa adequar a legislação às necessidades específicas do transporte de cargas vivas e perecíveis.
Prevaleceu no STF o entendimento de que o referido dispositivo é constitucional, pois permite que, dada a especificidade da atividade de transporte de cargas vivas, perecíveis e especiais em viagens de longas distâncias ou em território estrangeiro, as condições de trabalho sejam ajustadas através de norma coletiva (ACT ou CCT), sem que haja a exclusão das normas gerais celetistas, possuindo caráter complementar que possibilita aos sindicatos interessados adequarem as melhores condições de trabalho conforme a necessidade da atividade, estando a norma em conformidade com o art.7º, XXVI, da CF.
3.10. Jornada de 12 X 36 através de Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho (CLT, art.235-F)
A Lei 13.103/15 permite que seja estabelecida a jornada de 12 horas por 36 horas de descanso, mas fez uma pequena alteração na redação anterior trazida pela Lei 12.619/12.
De acordo com o artigo 235-F da CLT, convenção e acordo coletivo poderão prever jornada especial de 12 horas por 36 horas de descanso para o trabalho do motorista profissional empregado em regime de compensação.
Não ficou muito clara a menção ao “regime de compensação” e foi excluída a expressão contida na redação anterior que autorizava a implantação do referido regime de 12X36 “em razão da especificidade do transporte, de sazonalidade ou de características que o justifique.”
Todavia, entendemos que na prática a alteração não foi substancial e tal regime pode ser útil em alguns segmentos específicos de transporte rodoviário de cargas, mas a sua aplicabilidade sempre dependerá de negociação coletiva.
Vale destacar que as Leis 12.619/12 e 13.103/15 foram as primeiras a inserir na CLT a jornada de 12X36 que antes das referidas normas era considerada válida em razão da Súmula 444 do TST, desde que em caráter excepcional, se houvesse previsão em lei ou ajustada em negociação coletiva.
Com a publicação da Lei 13.467/17 houve alteração na CLT para a inclusão do art.59-A que autoriza a adoção da jornada de 12X36, mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação, sendo que tal regra foi declarada constitucional pelo STF no julgamento das ADI 4842 e 5994.
No que pertine ao artigo 235-F da CLT, o STF entendeu ser constitucional a referida regra, pois o art.7º, XXII da Carta Magna estabelece que a jornada normal de trabalho tem duração não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultando a compensação de horários, dando margem ao legislador ordinário para prever jornada de trabalho diferenciada, como é o caso do regime de12X36.
3.11. Remuneração variável através de comissões observada a segurança (CLT, 235-G)
A remuneração variável passou a ser autorizada pela Lei 13.103/15, sendo possível através da distância percorrida, tempo de viagem ou da natureza e quantidade de produtos transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou qualquer outro tipo de vantagem, desde que essa remuneração ou comissionamento não comprometa a segurança da rodovia e da coletividade ou possibilite a violação das normas previstas na referida Lei (art.235-G, CLT).
Foi uma alteração significativa em relação à vedação anterior trazida pela Lei 12.619/12, sendo que a nova redação não relegou ao oblívio a circunstância de que o pagamento através de remuneração variável é muito comum no segmento econômico do transporte rodoviário de cargas, mas o fato de se condicionar a sua validade ao não comprometimento da segurança rodoviária e da coletividade indica que os repousos e pausas obrigatórias devem ser rigorosamente observados.
Para o STF não há inconstitucionalidade da norma por possibilitar o pagamento do motorista profissional por meio de remuneração variável, pois encontra respaldo no inciso VII do art.7º da Constituição Federal que prevê a “garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável”.
Além disso, o acórdão entende equivocado o raciocínio exposto na petição inicial da ADI 5322 de que a percepção de remuneração variável irá favorecer o excesso de jornada e tempo de direção e comprometer a segurança do motorista e dos demais usuários das vias, pois não há nenhuma relação direta entre a percepção de remuneração em função da distância percorrida, do tempo de viagem ou da natureza e quantidade de produtos transportados com o excesso de jornada ou comprometimento da segurança nas estradas, destacando ainda que a lei condiciona o pagamento da remuneração variável ao cumprimento das normas de segurança na rodovia e da coletividade.
3.12. Limite tempo de direção (CTB, art.67-C)
De acordo com o artigo 67-C, do CTB, com a redação dada pela lei 13.103/15, é vedado ao motorista profissional dirigir por mais de 5 horas e meia ininterruptas veículos de transporte rodoviário coletivo de passageiros ou de transporte rodoviário de cargas, devendo ser observados 30 minutos para descanso dentro de cada 6 horas na condução do veículo de transporte de carga, sendo facultado o seu fracionamento e o do tempo de direção, desde que não ultrapassadas 5 horas e meia contínuas no exercício da condução.
Foi uma alteração relevante, tendo em vista que a Lei 12.619/12 estabelecida um limite de 4 horas de direção ininterrupta e descanso de 30 minutos a cada 4 horas ao volante.
De qualquer maneira, a referida alteração trouxe benefício ao transporte rodoviário de cargas de longas distâncias. Apenas para o transporte rodoviário de passageiros permanece a observância de 30 minutos para descanso a cada 4 horas na condução do veículo, sendo facultado o seu fracionamento e o do tempo de direção (par.1º-A, do art.67-C, CTB).
O STF entendeu que a referida norma ao possibilitar o fracionamento do descanso durante a condução do veículo, juntamente com o fracionamento do próprio tempo de direção é medida adotada pelo legislador como forma de reduzir os riscos inerentes ao trabalho do motorista profissional, encontrando fundamento no inciso XXII, do art.7º da CF.
3.13. Condições de segurança, sanitárias e de conforto nos locais de descanso (Lei 13.103, art.9º)
A Lei 13.103/15 se preocupou com a necessidade de condições de segurança, sanitárias e de conforto nos locais de espera, de repouso e de descanso dos motoristas profissionais de transporte rodoviário de cargas e de passageiros, estabelecendo, no artigo 9º, que terão que obedecer ao disposto nas Normas Regulamentadoras pelo ente competente, sendo vedada a cobrança ao motorista ou ao seu empregador pelo uso ou permanência em locais de espera sob a responsabilidade de transportador, embarcador ou consignatário de cargas; operador de terminais de cargas; aduanas; portos marítimos, lacustres, fluviais e secos; e terminais ferroviários, hidroviários e aeroportuários (par.1º).
Ainda sobre os locais de descanso e repouso dos motoristas profissionais, o art.9º, par.2º, da Lei 13.103/15 dispõe que são assim considerados as estações rodoviárias, os pontos de parada e de apoio, alojamentos, hotéis ou pousadas, refeitórios das empresas ou de terceiros e postos de combustíveis, sendo de livre iniciativa a implantação dos locais de repouso previstos no referido artigo.
O Decreto 8.433, de 16/04/15, que dispõe sobre a regulamentação dos artigos 9º a 12, artigo 17 e artigo 22 da Lei 13.103/15, em seu artigo 4º, incumbe ao Ministério do Trabalho e Emprego a competência de regulamentar as condições de segurança, sanitárias e de conforto nos locais de espera, de repouso e de descanso dos motoristas profissionais de transporte rodoviário de passageiros e de cargas.
No artigo 5º, inciso I, o mesmo Decreto atribuiu competência ao CONTRAN para regulamentar os modelos de sinalização, de orientação e de identificação dos locais de espera, de repouso e de descanso dos motoristas profissionais de transporte rodoviário de passageiros e de cargas, observadas as disposições do par.3º do art.11 da Lei 13.103/15.
A Portaria 1.343/19, do Ministério da Economia, através da Secretaria Especial e Trabalho, estabeleceu as condições mínimas de segurança, sanitárias e de conforto nos locais de espera, de repouso e de descanso dos motoristas profissionais de transporte rodoviário de passageiros e de cargas, sendo certo que o art.12 prevê que nos estabelecimentos de propriedade do transportador, do embarcador ou do consignatário de cargas, bem como nos casos em que esses mantiverem com os proprietários destes locais contratos que os obriguem a disponibilizar locais de espera, de repouso e de descanso aos motoristas profissionais, aplicam-se as Normas Regulamentadoras de saúde e segurança no trabalho.
Os pontos de parada ao longo das rodovias são imprescindíveis para que as empresas possam possibilitar aos motoristas os repousos e descanso em locais adequados, mas lamentavelmente o Poder Público não cumpriu da maneira desejada o prazo de 5 anos previsto no artigo 10 da Lei 13.103/15, a contar de sua vigência, para ampliar a disponibilidade dos espaços previstos no artigo 9º, especialmente: a inclusão obrigatória de cláusulas específicas em contratos de concessão de exploração de rodovias, para concessões futuras ou renovação; a revisão das concessões de exploração das rodovias em vigor, de modo a adequá-las à previsão de construção de pontos de para e de espera e descanso, respeitado o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; a identificação e o cadastramento de pontos de paradas e locais para espera, repouso e descanso que atendam aos requisitos previstos no artigo 9º da referida Lei; a permissão do uso de bem público nas faixas de domínio das rodovias sob sua jurisdição, vinculadas à implementação de locais de espera, repouso e descanso e pontos de paradas, de trevos ou acessos a esses locais; e a criação de linha de crédito para apoio à implantação dos pontos de paradas.
O STF declarou constitucional o art.9º da Lei 13.103/15 com fundamento no artigo 7º, inciso XXII, da CF, afastando a alegação contida na exordial da ADI 5322 de que o referido dispositivo retirou do empregador ou do tomador do serviço a responsabilidade direta na disponibilização de locais adequados para descanso e higiene, tendo em vista que houve atuação do Poder Público na edição de normas tendentes a reduzir os riscos inerentes ao trabalho.
3.14. Transportador Autônomo de Cargas Auxiliar (Lei 13.103, art.15 que alterou o art.4º, par.3º da Lei 11.442)
A Lei 11.442/2007 foi alterada pela Lei 13.103/15 para criar a figura jurídica do Transportador Autônomo de Cargas Auxiliar, dispondo que o mesmo recebe o veículo do TAC-Agregado, em regime de colaboração, sem a existência de vínculo empregatício entre o TAC-Auxiliar e o TAC-Agregado ou entre o primeiro e o embarcador (art.15).
Vale destacar que o STF, em acórdão publicado em 19/05/2020, por maioria de votos, julgou procedente a Ação Direta de Constitucionalidade 48 e improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade 3961, entendendo que a Lei 11.442/2007 regulamentou a contratação de transportadores autônomos de carga por proprietários de carga e por empresas transportadoras de carga; autorizou a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras; e afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese.
Na mesma decisão, o STF declarou que a Lei 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim e que uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista e que a proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º), citando o Precedente da ADPF 524.
No acórdão da ADI 5322 o STF declarou constitucional o art.15 da lei 13.103/15 que alterou o art.4º, par.3º da Lei 11.442/17, entendendo que a norma legal previu a figura do TAC-Auxiliar como um trabalhador autônomo assim considerado a pessoa física que presta serviços habitualmente por conta própria a uma ou mais de uma pessoa, assumindo os riscos da sua atividade econômica e o legislador possui certa margem de conformação para definir se essa ou aquela relação jurídica, em abstrato, representará ou não uma relação de emprego.
3.15. Conversão de multas em advertência (Lei 13.103, art.22)
A Lei 13.103/15 converteu em sanção de advertência; 1º) as penalidades decorrentes de infrações ao disposto na Lei 12.619, que alterou a CLT e o CTB, aplicadas até a data da publicação da Lei 13.103; 2º) as penalidades por violação ao inciso IV do art.231 do CTB (tolerância por excesso de peso), aplicadas até 2 anos antes da entrada em vigor da Lei 13.103 (art.22 da Lei 13.103/15).
Na mesma senda, o artigo 3º, do Decreto 8.433/15, estabelece que as penalidades a que se refere o art.22 da Lei 13.103/15, ficam convertidas em advertências, conforme os procedimentos estabelecidos: pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no caso das infrações ao disposto na Lei 12.619/12; e pelos órgãos competentes para aplicar penalidades, no caso das infrações ao Código de Trânsito Brasileiro, sendo que a restituição de valores pagos pelas penalidades referidas no caput deverá ser solicitada por escrito e autuada em processo administrativo específico junto ao órgão responsável pelo recolhimento.
Neste tema, o STF declarou constitucional o art.22 da Lei 13.103/15 entendendo que a norma impugnada na exordial da ADI 5322 tratou de conversão de sanção por infração administrativa, cuja natureza é de crédito não tributário, e que o CTN conceitua tributo como uma prestação pecuniária que não constitui ato ilícito, verificando a ausência de referência entre a norma impugnada e o dispositivo constitucional tido por violado.
- TEMAS DECLARADOS INCONSTITUCIONAIS
Passaremos a examinar os quatro temas da Lei 13.103/15 que foram declarados inconstitucionais pelo STF no julgamento da ADI 5322.
4.1. Fracionamento do intervalo interjornada de 11h00 (CLT, art.235-C par.3º, e art.67-C, par.3º, do CTB) e (CTB, art.67-C, par.3º)
Diferentemente da CLT que no artigo 66 estabelece que entre duas jornadas de trabalho haverá um período mínimo de 11 horas consecutivas para descanso, a Lei 13.103 fixou no artigo 235-C, par.5º que o motorista deve ter um descanso de 11 horas dentro de 24 horas, sendo certo que permite o seu fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condução do veículo estabelecida no CTB, garantidos de 8 horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das 16 horas seguintes ao fim do primeiro período.
A alteração trazida pela Lei 13.103/15 foi substancial, pois a Lei 12.619/12 tratava de um período de 11 horas contínuas de descanso a cada 24 horas e não permitia o fracionamento do intervalo interjornada.
O voto do Min.Alexandre de Moraes na ADI 5322 reconhece que as normas que disciplinam horários de descanso entre as jornadas dos trabalhadores, como é o caso dos artigos 66 e 235-C, par.3º, da CLT, possuem natureza de ordem pública, pois dizem respeito à própria saúde física e mental do empregado.
No caso dos motoristas profissionais do transporte de cargas e de passageiros, ressalta a importância do descanso entre uma jornada e outra, pois além de possibilitar a devida recuperação do corpo e da mente, diminui os níveis de stress e de cansaço, sendo o respeito ao intervalo interjornada de relevância para a segurança rodoviária, pois permite o descanso reparador e a manutenção plena do nível de concentração e cognição durante a condição do veículo.
O voto também destaca que o descanso interjornada vai além de possibilitar a recuperação física e mental, pois permite ao motorista usufruir de momentos de lazer e de convívio familiar, concluindo que o fracionamento desse período contraria frontalmente o art.7º, XV, da CF, pois retira do empregado a possibilidade de desfrutar do devido descanso e de momentos de lazer com a família e de convívio social, desnaturando a finalidade do descanso entre jornadas de trabalho.
Portanto, o intervalo interjornada do motorista de 11 horas, dentro das 24 horas deverá ser usufruído de forma ininterrupta, não valendo mais a possibilidade de seu fracionamento, ficando restabelecida a mesma regra que estava prevista na Lei 12.619/12.
4.2. Possibilidade de gozo do DSR no retorno do motorista à base ou ao seu domicílio em viagens de longa distância (CLT, 235-D, caput); cumulatividade de DSR (até 3) em viagens de longas distâncias (CLT, art.235-D, par.2º); e fracionamento do DSR em 2 períodos em viagens de longas distâncias, sendo um destes de, no mínimo 30 horas ininterruptas (CLT, art.235-D, par.1º)
A Lei 13.103/15 prevê um tratamento especial às viagens de longas distâncias com duração superior a 7 dias, estabelecendo no artigo 235-D da CLT que nessa situação o motorista terá direito ao descanso semanal remunerado de 35 horas, ficando esclarecido que representa a soma das 24 horas mais 11 horas do repouso diário, podendo ser usufruído no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou ao seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido repouso.
Também permite o fracionamento do repouso semanal em dois períodos, sendo um destes de, no mínimo, 30 horas ininterruptas, a serem cumpridos na mesma semana e em continuidade a um período de repouso diário, que deverão ser usufruídos no retorno da viagem (par.1º, do art.235-D).
Além disso, autoriza a cumulatividade de descansos semanais em viagens de longas distâncias que fica limitada ao número de três descansos consecutivos (par.2º, do art.235-D).
Com a decisão do STF na ADI 5322, ficam sem validade as regras anteriormente citadas, pois foram declaradas inconstitucionais.
De acordo com o voto do Min.Alexandre de Moraes, a possibilidade de fracionamento e acúmulo do descanso semanal remunerado parece não ter sido a intenção do legislador constituinte, pois tal flexibilização representa uma diminuição na tutela de direito social indisponível, violando o artigo 7º, XV, da CF, que versa sobre matéria diretamente relacionada à dignidade e saúde do trabalhador, enfatizando que o descanso existe por imperativos biológicos, sendo defeso ao legislador prever a possibilidade de fracionamento e acúmulo desse direito.
Dessa forma, o STF declara que são inconstitucionais: a) a expressão “sendo facultados o seu fracionamento e a coincidência com os períodos de parada obrigatória na condição do veículo estabelecida no CTB, garantidos o mínimo de 8 horas ininterruptas no primeiro período e o gozo do remanescente dentro das 16 horas seguintes ao fim do primeiro período”, prevista na parte final do par.3º do art.235-C da CLT; b) a expressão “que podem ser fracionadas, usufruídas no veículo e coincidir com os intervalos mencionados o par.1º, observadas no primeiro período 8 horas ininterruptas de descanso”, na forma como prevista no par.3º do art.67-C do CTB, com redação dada pelo art.7º da Lei 13.103/15; e c) a expressão “usufruído no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou ao seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido repouso”, estabelecida na parte final do caput do art.235-D da CLT, bem como dos seus par.1º e 2º, com a redação dada pelo art.6º da Lei 13.103/15.
Em decorrência dessa decisão o motorista profissional deverá gozar dos intervalos interjornada de 11 horas e de 35 horas semanais de forma ininterrupta onde quer que esteja, inclusive durante as viagens.
Sobreleva ressaltar que a decisão do STF relegou ao oblívio que a exigência de cumprimento, pelos motoristas, dos descansos interjornada e semanais remunerados de forma ininterrupta acarretará mais tempo longe do seu domicílio e do convívio familiar o que contradiz a própria fundamentação da decisão, sem contar que a inexistência de pontos de parada com segurança e boa localização nas estradas pode oferecer ao motorista maior risco e insegurança no desenvolvimento do seu mister.
4.3. Tempo de espera (CLT, art.235-C par.1º, 8º e 12º) e indenização de 30% do salário-hora normal (CLT, art.235-C, par.9º)
O tempo de espera já era previsto na Lei 12.619/12, quando foi feita a primeira alteração no artigo 235-C, par.8º, da CLT, dispondo ser as horas que excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computadas como horas extras.
A Lei 13.103/15 deu nova redação ao artigo 235-C, par.8, da CLT, para dispor que são consideradas tempo de espera as horas em que o motorista profissional empregado ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computados como jornada de trabalho e nem como horas extraordinárias.
Foi excluída a expressão “as horas que excederem a jornada normal de trabalho” e foi inserido expressamente que o tempo de espera não é computado na jornada de trabalho.
Assim, a partir dessa nova redação é possível interpretar que o tempo de espera pode vir a ser considerado dentro da jornada de trabalho e não apenas após o cumprimento da jornada normal de trabalho.
A Lei 13.103/15i dispõe que as horas relativas ao tempo de espera serão indenizadas na proporção de 30% do salário-hora normal, ou seja, apenas o adicional de 30% e não a hora mais o adicional, como previa a Lei 12.619/12.
Segundo a Lei 13.103, em nenhuma hipótese, o tempo de espera do motorista empregado prejudicará o direito ao recebimento da remuneração correspondente ao salário-base diário. A interpretação que extraímos do referido dispositivo é que se busca evitar que o empregado esteja o dia todo em tempo de espera e venha receber menos do que o salário-base diário.
Outra grande novidade sobre o tempo de espera, trazida com a Lei 13.103/15 é a de que o motorista, nessa condição, poderá realizar movimentações necessárias do veículo, as quais não serão consideradas como parte da jornada de trabalho, ficando garantido, porém, o gozo do descanso de 8 horas ininterruptas (art.235-C, par.12, CLT).
Vale destacar que a lei não define qual o limite para essas movimentações necessárias e, caso isto ocorra com frequência, poderá acarretar a descaracterização do tempo de espera.
Além disso, previu no art.235-C, par.11, da CLT que, se o tempo de espera for superior a 2 horas ininterruptas e for exigida a permanência do motorista empregado junto ao veículo, caso o local ofereça condições adequadas, o tempo será considerado como de repouso para os fins dos intervalos de refeição de 1 hora e de descanso interjornada de 11 horas, sem prejuízo do pagamento do adicional do tempo de espera (30% do salário hora normal).
Neste caso, a lei permitiu que houvesse uma possibilidade de o tempo de espera ser considerado como período de descanso, o que também é muito temerário, dependendo da forma como isto poderá ser feito, abrindo possibilidade para descaracterização do tempo de espera, como já tínhamos alertado quando da publicação da Lei 13.103/15.
A redução da indenização do tempo de espera de salário-hora normal acrescido de 30% para 30% do salário-hora normal, alteração trazida pela Lei 13.103/15 no artigo 235-C, par.9º, sempre foi objeto de críticas em razão do retrocesso social.
As alterações feitas pela Lei 13.103/15 em relação ao tempo de espera foram consideradas inconstitucionais pelo STF na ADI 5322, representando uma descaracterização da relação de trabalho, além de causar prejuízo ao direito do trabalhador, afrontando o artigo 1º, I e 7º, da CF.
O acórdão da ADI 5322 entende que o tempo de espera previsto no par,8º do art.235-C da CLT acaba por infringir norma de proteção destinada ao trabalhador porque prevê uma forma de prestação de serviço que não é computada na jornada diária normal de trabalho e nem como jornada extraordinária, não devendo ser dissociado o tempo despendido do motorista de transporte de cargas enquanto ficar aguardando carga ou descarga do veículo nas dependências do embarcador ou do destinatário e o período gasto com a fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias das demais atividades profissionais por ele desenvolvidas, sem que fique caracterizado o prejuízo ao trabalhador e a diminuição do valor social do trabalho.
Lamentavelmente o tempo de espera não foi considerado pelo STF como um instituto novo na CLT e que também encontra previsão em outros países, sendo circunstância peculiar da atividade do motorista profissional que se ativa no transporte rodoviário de cargas, cuja previsão se enquadra na exceção contida no artigo 4º, caput, da CLT, que assim dispõe: “considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada”.
Com todo respeito à decisão da Corte Suprema, a Lei 13.103/15, no particular, não colide com os arts.1º, I, e 7º da CF, até porque o artigo 235-C par.8º, representa a exceção mencionada pelo artigo 4º, caput, parte final da CLT.
Entretanto, com a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 235-C, par.8º e 9º, da CLT o tempo de espera deixa de existir no ordenamento jurídico e não há mais razão para que as empresas façam a anotação do mesmo nos controles de horário e deverão considerá-lo como jornada normal de trabalho.
4.4. Repouso com o veículo em movimento no caso de viagens em dupla de motoristas (CLT, art.235-D, par.5º – TRC) e (CLT, art.235-E, III – TRP)
A Lei 13.103/15 trouxe alteração na CLT para dispor no artigo 235-D, par.5º que, nos casos em que o empregador adotar dois motoristas trabalhando no mesmo veículo, o tempo de repouso poderá ser feito com o veículo em movimento, assegurado o repouso mínimo de seis horas consecutivas fora do veículo em alojamento externo ou, se na cabine leito, com o veículo estacionado, a cada 72 horas.
A referida regra foi estabelecida para o motorista do transporte rodoviário de cargas (CLT, art.235-D, par.5º) e para o motorista do transporte rodoviário de passageiros (CLT, art.235-E, inciso III).
O STF entendeu que tanto o artigo 235-D, par.5º quanto o artigo 235-E, inciso III da CLT, traçam regra que contraria o estabelecido pela Constituição Federal no tocante à segurança e saúde do trabalhador, não se podendo imaginar o devido descanso do trabalhador em um veículo em movimento, que muitas vezes sequer possui acomodação adequada para o corpo repousar após a jornada diária ou semanal de trabalho, sobretudo considerando que 59% das estradas brasileiras são classificadas como regulares, ruins ou péssimas.
Sobreleva ressaltar que no transporte de cargas vivas, perecíveis e especiais, via de regra, é exigida a adoção de veículo com dupla de motoristas e mesmo com a previsão contida no art.235-D, par.8º, da CLT, haverá necessidade de adaptação para que as jornadas da dupla de motoristas passem a ser consideradas individualmente, seja em relação ao limite de jornada e tempo de direção, seja em relação aos repousos obrigatórios que deverão ser feitos com o veículo parado, elevando sobremaneira o custo operacional.
5. DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO
Como afirmado alhures, se o julgamento da ADI comprometer a segurança jurídica ou excepcional interesse social estiver em risco, o STF poderá modular os efeitos da decisão, ou seja, pode restringir os efeitos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do trânsito em julgado ou em outro momento a ser fixado, dependendo esta decisão da aprovação de 2/3 dos ministros que integram a Corte, o que se costuma chamar de modulação, conforme prevê o artigo 27 da Lei 9.868/99.
Portanto, a modulação dos efeitos é a faculdade de restringir a eficácia da decisão de inconstitucionalidade, a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento fixado no acórdão (art.27 da Lei 9.868/99).
Neste passo, o STF pode modular os efeitos da decisão desde a sua vigência, a partir da publicação da certidão de julgamento, a partir da publicação do acórdão ou em outro momento que definir.
No caso da ADI 5322 o acórdão publicado em 30/08/2023 não trouxe a modulação de seus efeitos, razão pela qual entendemos ser recomendável que as empresas cumpram a decisão desde a publicação da certidão de julgamento ocorrida em 12/07/2023 de sorte a evitar passivo trabalhista.
A omissão do acórdão no que tange a modulação de seus efeitos pode ser suprida através da interposição de embargos de declaração com fundamento no artigo 1022 do CPC, sendo legitimados para tanto a autora da ação, o Advogado-Geral da União e o Procurador Geral da República, conforme jurisprudência do STF, sendo defeso às partes veicular inconformismo com a decisão tomada, e impugnar a justiça do que foi decidido ou suscitar matéria alheia ao objeto do julgamento, pois tais objetivos são alheios às hipóteses de cabimento típicas do recurso, nos termos do art. 1.022 do CPC.
No caso da ADI 5322 esperamos que haja a interposição dos embargos de declaração para suprir a omissão do julgado e que o STF module os efeitos tendo em vista a relevância da matéria e a necessidade de segurança jurídica quanto a aplicação da decisão apenas após o seu julgamento.
- DOS IMPACTOS DA DECISÃO DO STF NAS OPERAÇÕES E CUSTOS DO TRANSPORTE
As operações das empresas de transporte de cargas e logística serão sensivelmente afetadas, acarretando menos tempo de direção e de veículo em movimento; os descansos deverão ser feitos durante a viagem; haverá aumento do tempo de viagem e maior ociosidade, pois os veículos deverão ficar mais tempo parados durante a viagem.
Os efeitos financeiros em decorrência desta decisão são: aumento do custo operacional; diminuição da produtividade; queda no faturamento por veículo; necessidade de aumento de frota; aumento dos encargos trabalhistas e previdenciários; maior risco de ações trabalhistas, caso não sejam observados os limites da jornada de trabalho e os repousos de forma ininterrupta; e a contratação de mais empregados.
Serão necessárias adoção de medidas urgentes pelas empresas para a redução dos impactos nefastos da decisão, tais como: reorganização das operações; revisão de custos; renegociação de contratos; aumento dos fretes; e repasse do custo para o consumidor final, pois se trata de uma cadeia produtiva e o segmento econômico do transporte rodoviário de cargas não pode e não deve absorver sozinho este aumento considerável dos custos.
Segundo estudo divulgado pela NTC & Logística, disponível no site www.portalntc.org.br, a decisão do STF na ADI 5322 acarretará uma sensível queda da produtividade e consequentemente aumento de custo para o transporte rodoviário de cargas.
A impossibilidade de adoção do tempo de espera com indenização na razão de 30% sobre a hora normal; a proibição do fracionamento do intervalo interjornada, do acúmulo e do fracionamento do descanso semanal remunerado e da inviabilidade de descanso com o veículo em movimento no caso de dupla de motoristas, geram um impacto significativo no custo operacional tanto nas viagens de curta quanto nas longas distâncias, podendo chegar, em alguns casos a mais de 50%. Isto porque o transportador terá que dispor de mais equipamentos e veículos e de mão-de-obra, para manter a mesma produtividade existente antes da decisão do STF.
- CONCLUSÃO
Em decorrência da decisão do STF na ADI 5322 a Lei 13.103/15 sofreu as seguintes alterações: a) as horas de tempo de espera passarão a ser computadas como jornada de trabalho; b) o intervalo interjornada de 11h00 deve ser ininterrupto tanto em relação a CLT quanto no CTB; c) intervalo interjornada de 11h00 horas ininterrupto em viagens de longas distâncias (mais de 7 dias); d) o descanso semanal remunerado não pode ser fracionado e nem acumulado, inclusive em viagens de longas distâncias; e) o motorista não pode mais gozar o descanso semanal remunerado no retorno a base ou ao seu domicílio; f) e no caso de dupla de motoristas no mesmo veículo o descanso não poderá ser feito com o veículo em movimento, regra que se aplica ao transporte rodoviário de cargas e ao transporte rodoviário de passageiros.
Há um paradoxo na decisão do STF, pois ao fundamentar a inconstitucionalidade dos artigos 235-C e 235-D e 67-C do CTB, que tratam do fracionamento do intervalo interjornada de 11 horas fez constar que tal período não serve apenas para possibilitar a recuperação física e mental, mas também permitir ao empregado usufruir de momentos de lazer e de convívio social e familiar e a autorização para gozar o período restante de descanso interjornadda, durante os intervalos intrajornadas ou até mesmo para usufruir no interior do veículo, retira do empregado a possibilidade de desfrutar do devido descanso e de momentos de lazer com a família e de convívio social, desnaturando a finalidade do instituto.
O mesmo argumento foi utilizado para declarar a inconstitucionalidade do art.6º, da Lei 13.103/15, no ponto em que altera o artigo 235-D que trata da possibilidade de fracionamento e de acumulação do descanso semanal remunerado, acrescentando a decisão que o período de descanso semanal cumpre outro importante papel social, pois possibilita ao trabalhador desfrutar de momentos no sei de sua família e de lazer.
A obrigação de cumprimento dos intervalos interjornada e de descanso semanal remunerado de forma ininterrupta ao longo da viagem e onde o motorista estiver, conforme dispõe a decisão do STF, privará o empregado do convívio social e de lazer com a sua família, ainda que os locais de parada sejam adequados e seguros.
A decisão relegou ao oblívio que as possibilidades de fracionamento do intervalo interjornada e de cumulação e fracionamento do descanso semanal remunerado com a alternativa de gozar o descanso no retorno à base ou ao seu domicílio, visavam tornar a viagem mais rápida e dar maior conforto ao motorista nos períodos de descanso, atingindo a finalidade dos repousos.
Também não foi levado em consideração o fato de que a própria Lei 13.103/15, no artigo 10 estabelece uma obrigação ao Poder Público de adotar medidas, no prazo de cinco anos a contar da vigência da Lei, ou seja, até 02/03/2020, para ampliar a disponibilidade dos locais de espera, de repouso e de descanso dos motoristas profissionais de transporte rodoviário de cargas e de passageiros, através das diretrizes contidas nos incisos I a V, do referido dispositivo, o que não foi cumprido de forma adequada.
A decisão do STF na ADI 5322 trouxe impacto considerável na atividade econômica do transporte rodoviário de cargas e exigirá das empresas medidas necessárias para adaptação de suas operações e revisão da gestão administrativa envolvendo a prestação de serviços do motorista profissional, seja empregado ou autônomo, além de uma renegociação de contratos com os seus clientes em função do aumento do custo operacional e da redução da produtividade.
Narciso Figueirôa Junior
Assessor Jurídico da NTC&Logística