Players do transporte esperam uma solução e um basta às tragédias da ligação entre Belo Horizonte e Governador Valadares
“Acidente com dois micro-ônibus deixou 15 vítimas na região metropolitana de Belo Horizonte.” “Grave acidente sentido Governador Valadares na proximidade de Ipatinga.” “Um homem morreu após um acidente próximo a Belo Oriente.” “ As manchetes acima foram compiladas com uma busca rápida na internet e têm algo em comum: o cenário. Todos esses episódios trágicos ocorreram no trecho norte da BR-381, que liga Belo Horizonte a Governador Valadares, em Minas Gerais. Trata-se de um percurso de 304 quilômetros que atravessa o Vale do Aço, importante polo siderúrgico do país.
Pista simples em sua maior parte, o trecho tem 500 curvas, sendo 200 delas concentradas nos cerca de 100 quilômetros entre a capital mineira e o município de João Monlevade. Não bastasse o traçado sinuoso, o asfalto está em más condições, falta sinalização e as pontes são estreitas. Apenas em 2021, foram registrados 2.054 acidentes e 162 óbitos no local, reforçando o apelido de “rodovia da morte”. A duplicação da BR-381 — pleito histórico dos transportadores — é defendida pela CNT, que a menciona com destaque no documento O Transporte Move o Brasil – Propostas da CNT ao País, entregue aos candidatos à presidência da República em 2022.
Durante a campanha eleitoral, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva mostrou-se sensibilizado e, em visita à cidade de Ipatinga, chegou a dizer: “É um compromisso nosso cumprir aquilo que queríamos fazer quando Dilma era presidenta. Não queremos que essa estrada continue sendo chamada de ‘a estrada da morte’”.
Eis que as obras na BR-381, sob responsabilidade do governo federal, aparecem como prioridade no Plano de 100 Dias, apresentado, em janeiro, pelo ministro dos Transportes, Renan Filho. Dias antes do anúncio, o ministro havia se reunido com o presidente da CNT, Vander Costa, que reforçou a importância da pauta tanto do ponto de vista do custo humano quanto do custo Brasil, já que a rodovia serve ao escoamento de produtos agrícolas, pecuários e industrializados, além de minério. Paralelamente, foi retomada a discussão sobre a concessão da via à iniciativa privada, esboçada diversas vezes no passado, mas sem sucesso.
Em 2022, um novo projeto foi aprovado pelo extinto Ministério da Infraestrutura. À época, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) encaminhou os documentos ao TCU (Tribunal de Contas da União), com uma previsão inicial de R$ 5,5 bilhões em investimentos privados. Desta vez, o leilão não envolverá o repasse, no mesmo lote, da BR-262, ativo considerado pouco atrativo para investidores.
Quase R$ 13 bilhões em 2022
Painel CNT de Consultas Dinâmicas dos Acidentes Rodoviários, divulgado pela CNT em fevereiro mostra:
– O custo total estimado dos acidentes ocorridos em rodovias federais em 2022 foi de R$ 12,92 bilhões.
– O valor é praticamente 100% maior do que todo o investimento público federal aplicado ano passado na malha pública federal (R$ 6,51 bilhões) e representa um aumento de quase R$ 800 milhões em relação a 2021.
– O ranking de custos de 2022 por estado é liderado por Minas Gerais (R$ 1,69 bilhão), que tem a maior malha rodoviária do país.
Desatando o nó
O edital que reunia as concessões da BR-381 e da BR-262 foi publicado em 1º de setembro de 2021, com leilão previsto para 25 de novembro daquele ano. A data mudou em três oportunidades, o certame acabou não ocorrendo e o projeto foi suspenso para reestruturação. Finalmente, decidiu-se suprimir da proposta a BR-262 – decisão apoiada pela CNT.
Com a redução, chegou-se à previsão de R$ 5,5 bilhões em investimentos. O número de pedágios foi reduzido de 11 para cinco, nas cidades de Caeté, João Monlevade, Jaguaraçu, Belo Oriente e Governador Valadares. O consórcio vitorioso se comprometerá em operar a rodovia, fazer a manutenção e custear melhorias – entre elas, a duplicação da via. O prazo de concessão é de 30 anos, prorrogáveis por mais cinco. A concessão é considerada altamente prioritária pelo Ministério dos Transportes, que, em nota, informou à reportagem: “O compromisso do ministro Renan Filho é de licitar o projeto da BR-381 no curto prazo, assim que sair do TCU. Os projetos de concessão estão sendo reavaliados individualmente pela atual gestão, a fim de agregar elementos que potencializem a atratividade dos projetos no que tange à segurança dos usuários, ao desenvolvimento econômico das regiões e à sustentabilidade ambiental”.
Pujança mineira
– Minas Gerais tem a maior malha rodoviária do Brasil com 272.062,90 quilômetros de rodovias
– O estado detém o terceiro maior PIB (Produto Interno Bruto) do país
– Em 2021, o PIB mineiro registrou a maior participação sobre o brasileiro em 20 anos, passando de 9%, em 2020, para 9,3%.
Sinônimo de prejuízo
A imprevisibilidade causada pelas condições da rodovia tem efeitos deletérios para toda a cadeia de serviços. “As indústrias acabam fazendo estoque de segurança, temendo que a carga não chegue ao seu destino. Isso traz um aumento de custo para diversos setores e um desestímulo a novos investimentos no Vale do Aço”, alerta Sérgio Pedrosa.
O trecho entre Belo Horizonte e João Monlevade é uma verdadeira sequência de obstáculos para os motoristas, opina o professor Marcelo Franco Porto, do Programa de Pós-Graduação em Geotecnia e Transportes da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Para ele, a solução exigirá um esforço multidisciplinar, com estudos em geometria da via, pavimento, sinalizações horizontal e vertical, drenagem, monitoramento via câmeras, entre outros aspectos. “Isso ocorrerá ao se transferir a responsabilidade sobre as obras e a manutenção da BR-381 para um consórcio ou empresa privada. O ganhador (do leilão) deverá cumprir as ‘metas’ contidas no PER (Programa de Exploração de Rodovias) ”, indica. O professor lembra que, atualmente, a precariedade da via é de tal ordem que os motoristas preferem utilizar uma rota alternativa, que prolonga a viagem por cerca de três horas, o que onera a operação para os transportadores.
“Quando se fala em custos do transporte, dois tipos devem ser considerados: os fixos, como depreciação do veículo, salários e remuneração do capital; e os variáveis, como manutenção, combustível e pneus”, pondera Sérgio Pedrosa, presidente da Fetcemg (Federação das Empresas de Transportes de Carga do Estado de Minas Gerais).
“O péssimo estado da BR-381 provoca um aumento nos custos variáveis, enquanto o maior tempo de viagem aumenta os custos fixos, uma vez que o veículo fará menos viagens por mês. De Belo Horizonte a Ipatinga são cerca de 200 quilômetros. Se a rodovia estivesse em boas condições, o caminhão alcançaria uma velocidade média de 55 km/h. O trecho, porém, é feito a 30 km/h, resultando em mais de seis horas de viagem””, calcula. “Temos os custos de manutenção e o investimento em treinamento dos motoristas para evitar acidentes. O tempo de viagem imprevisível dificulta o atendimento à legislação da jornada do motorista e há casos em que o profissional tem que parar em algum lugar antes de completar a viagem. Além disso, temos dificuldade em conseguir mão de obra, pois muitos motoristas não gostam de trabalhar na BR-381 devido ao cansaço e ao alto índice de acidentes”, complementa o presidente da Fetcemg.
História repleta de sobressaltos
– 1952 – O trecho de rodovia entre Belo Horizonte e João Monlevade foi pavimentado;
– 1959 – A ligação entre Belo Horizonte e Pouso Alegre ocorreu em pista simples, durante o governo Juscelino Kubitschek;
– 1990 – A duplicação do trecho norte da BR-381 começou com a lei nº 9.277/96, que passou para os estados os bens da União;
– 1998 – O governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo, firmou, com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, um acordo que previa que o estado executaria a duplicação entre Belo Horizonte e João Monlevade e uma terceira faixa até Ipatinga. Os recursos viriam da recém-realizada privatização da Vale do Rio Doce.
– 1999 – Durante a gestão do ex-presidente Itamar Franco no estado, a rodovia acabou sendo devolvida à União.
– 2009 – O presidente Lula, em seu segundo mandato, incluiu a duplicação do trecho na fase dois do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
– 2014 – Primeira ordem de serviço para a duplicação, já no governo Dilma Rousseff. Desse modo, a rodovia foi fracionada em 11 lotes, dos quais sete foram licitados.
– 2023 – O trecho sob jurisdição federal que fica entre Belo Horizonte e Governador Valadares, teve concluídas três obras de duplicação que somam 55 quilômetros (lotes 3.2, 3.3 e 7). Agora, o Ministério dos Transportes promete entregar cinco quilômetros do lote 3.1, entre Jaguaraçu e Antônio Dias, até a primeira quinzena de março. O restante das obras ficará a cargo da futura concessionária.