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Vedação ao confisco tributário: um princípio confiscado

É dentro destes contornos que a CF, ao estruturar os pilares da ordem tributária, institui as limitações ao poder de tributar, que se equiparam aos direitos e garantias fundamentais do cidadão, como já reconheceu o STF por ocasião do julgamento da ADIn 939-7/DF. Entre as referidas limitações emerge o princípio de vedação ao tributo com efeito de confisco (artigo 150, IV, CRFB), proibindo a instituição de tributo que venha a subtrair a integralidade ou uma parcela vultosa da propriedade do contribuinte – independente da natureza do tributo e de qualquer contraprestação estatal.

 

Dentro destas perspectivas, é preciso enfatizar que a Constituição da República manifesta-se como fonte normativa altissonante na estrutura do Sistema Tributário Nacional, principalmente ao traçar a restrição e o alcance da competência tributária, assegurando que o exercício da prerrogativa estatal de exigir uma parcela patrimonial do contribuinte não venha a antagonizar com os direitos e garantias fundamentais.

 

Apesar de estar inserido expressamente no mais alto grau da hierarquia normativa, o tão insigne princípio da proibição ao efeito de confisco está à beira do esquecimento, principalmente por parte dos órgãos administrativos e do Poder Judiciário. O descaso com o princípio é tão evidente que o eminente doutrinador Paulo de Barros Carvalho chega ao ponto de afirmar que se trata apenas de “simples advertência ao legislador dos tributos, no sentido de comunicar-lhe que existe limite para a carga tributária. Somente isso”.

 

É verdade que o não-confisco revela-se como conceito jurídico indeterminado em razão da ausência de critérios qualitativos objetivos para a configuração do “efeito de confisco” delineado no texto constitucional, tornando-se atribuição do intérprete avaliar a extensão do conceito. Todavia, este peculiar grau de subjetividade não justifica, de per si, que um princípio constitucional seja relegado a mera norma programática ou singela recomendação ao legislador.

 

A proibição ao confisco tributário também não é popular no Poder Judiciário – pouquíssimos julgados confrontam o princípio adotando critérios interpretativos rigorosos no controle difuso de constitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, tem analisado a questão, com destaque para a ADIn 2010 em que o Ministro Celso de Mello aponta as principais diretrizes da jurisprudência brasileira para a aplicação do princípio de vedação ao tributo com efeito de confisco: deve-se adotar a teoria do mínimo necessário e da propriedade mutilada, o parâmetro da insuportabilidade da carga tributária, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade e o princípio de proteção à família, considerando-se a integralidade da carga tributária cobrada por uma só pessoa jurídica de direito público.

 

No entanto, diversas indagações de extrema relevância para determinar a aplicabilidade do princípio jamais foram respondidas, entre elas: a proibição ao tributo com efeito de confisco deve ser apurada, em cada caso, à vista do conjunto dos tributos cobrados pelos diversos entes federativos, ou só em face de cada incidência em particular? Qual a alíquota limite de um imposto sobre a propriedade, para que não se torne confiscatório? E a do imposto sobre a renda? É possível constatar o efeito de confisco medindo a proporção do retorno da carga tributária em relação à arrecadação (especialmente no que se refere às receitas tributárias vinculadas)?

 

Com efeito, é difícil traçar um parâmetro concreto que preencha o conteúdo indeterminado do princípio, ainda que a problemática da vedação ao confisco seja avaliada sob a ótica da capacidade contributiva (artigo 145, §1º, CRFB). No entanto, na ausência de outro limite que o conteúdo semântico das palavras possa expressar, ao menos existe a possibilidade de diminuição da arrecadação com o abusivo aumento da carga tributária – teoria que a famosa curva de Laffe busca comprovar. Vale dizer, é o próprio Estado que tende a perder receita quando ultrapassa o limite da capacidade contributiva.

 

Portanto, e no limite, quanto maior a fatia do Estado na apropriação das riquezas produzidas em seu território, tanto mais próximo se estará daquele esgotamento. Afinal, a disponibilidade financeira dos cidadãos é o termômetro do consumo e, sem ele, a tendência é a diminuição na produção e, consequentemente, também da riqueza sobre a qual incide o tributo. Ademais, a produção de riqueza necessita de poupança dos cidadãos para financiar o crédito, que por sua vez movimenta a economia alavancando negócios.

 

Infelizmente, contudo, o interesse arrecadatório sempre prevalece sobre o bom senso, e especialmente em nosso país a carga tributária parece desafiar a curva de Laffer – desafiando também, com isso, os próprios limites do que seria a proibição de confisco, que de tanto ser desprezado fica verdadeiramente enfraquecido.

 

Temos aqui uma espécie de “efeito secundário” do fenômeno do “pamprincipiologismo”, de que tanto nos alerta Lenio Streck, pois com a multiplicação dos princípios anêmicos e desprovidos de normatividade e índole constitucional, alguns princípios verdadeiramente inscritos na Carta da República acabam tendo sua eficácia mitigada em virtude da confusão hermenêutica criada pela mistura descriteriosa dos princípios constitucionais com os “princípios” insignificantes.

 

Certo é que os conceitos jurídicos indeterminados demandam maior esforço interpretativo, mas não é por isso que o jurista pode se esquivar de sua tarefa, fundamentando-se exclusivamente em um suposto “excesso de subjetividade”, máxime ao se tratar de norma constitucional.

 

Enfim, confiscaram o princípio, mas em meio à tão voraz fúria fiscal, o que mais precisamos é reanimar sua existência – do contrário seremos confiscados e não saberemos sequer como aplicá-lo.

 

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* Rogério Pires da Silva e Stephan Righi Boechat são advogados do escritório Boccuzzi Advogados Associados.

Transportadora indenizada por divergência da nota fiscal

Em Acórdão recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela aplicação de normas do Novo Código Civil Brasileiro, acerca da nova regulamentação do contrato de transporte, decidindo questões de grande importância no dia-a-dia das empresas de transporte de cargas, como: a responsabilidade pelos prejuízos advindos de erro na emissão da nota fiscal pelo embarcador; a legitimidade de retenção da mercadoria pelo transportador; a possibilidade da venda da mercadoria pela transportadora para receber o frete e os seus prejuízos.
Como já temos alertado em artigos e palestras, o Novo Código Civil estabeleceu como obrigação do embarcador indicar, na nota fiscal ou em outro documento, todas as informações necessárias à perfeita caracterização da mercadoria a ser transportada.
 
De outro lado, o Código estabelece que o fornecimento, pelo embarcador, de informações incorretas ou falsas acarreta na sua responsabilidade pelo pagamento de todos os prejuízos que o transportador venha a sofrer.
 
No caso citado, a empresa transportadora recebe para o transporte mercadoria com divergência daquela que constava na nota fiscal. A fiscalização autuou a transportadora e determinou a apreensão da mercadoria. Na ação da transportadora, o embarcador acabou condenado a pagar-lhe, a título de indenização, todos os prejuízos com o pagamento de multas; os encargos da liberação do veículo e da mercadoria, e os lucros cessantes pelo tempo perdido pelo veículo retido.
 
A mercadoria foi retida pela transportadora para o pagamento do prejuízo, tendo o embarcador se insurgido contra a retenção por porte da transportadora. A decisão, mais uma vez adotando as novas regras do Código Civil, julgou correto o procedimento da transportadora, dizendo ser legítimo o exercício do seu direito de retenção.
 
A retenção da mercadoria prevista no Novo Código Civil destina-se a garantir ao transportador o pagamento do frete, da armazenagem da mercadoria retida e de todos os prejuízos com o transporte e a guarda da mercadoria.
 
É importante ressaltar que, além do direito de retenção, o Código Civil estabelece o direito de o transportador fazer a venda da mercadoria retida para se ressarcir de todos os prejuízos.
 
O Acórdão citado reconhece expressamente a legitimidade do direito da transportadora, no caso, para efetuar a venda de mercadoria e pagar-se de todos os prejuízos: a multa imposta pela fiscalização, os encargos da liberação, o frete, a armazenagem e, ainda, os lucros cessantes.
 
É um precedente de grande importância para as empresas do setor, que enfrentam constantemente problema idêntico que foi objeto de pronunciamento do poder Judiciário, assegurando os direitos do transportador.

Análise dos principais pontos da Lei 11.442/07, que trata do Disciplinamento do TRC

PRINCIPAIS INOVAÇÕES DA LEI
 
SÃO PAULO (18/01/2007) – A Lei nº 11.442, de 5 de janeiro de 2007, traz importantes inovações para o exercício da atividade de transporte de cargas, sendo certo, entretanto, que alguns dos dispositivos dela dependerão, para sua aplicação, de regulamentação a ser baixada por decreto do Executivo e/ou por resolução da ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres.
 
Alguns pontos da nova lei, sem a intenção de esgotar a análise do seu conteúdo, são aqui destacados, para permitir a rápida compreensão das modificações introduzidas no ordenamento jurídico.
 
O RNTR-C, que é o Registro Nacional dos Transportadores Rodoviários de Carga, passa a conter o registro de duas categorias de pessoas físicas ou jurídicas que poderão exercer a atividade de transporte de cargas: o TAC – Transportador Autônomo de Cargas e a ETC – Empresa de Transporte Rodoviário de Cargas. As Cooperativas de Transporte de Cargas deverão ser inscritas como ETC, na forma do artigo 2º, § 2º da Lei.
 
Exigências para o registro no RNTR-C – A lei já define algumas dessas exigências como, para o Autônomo, a comprovação de propriedade, co-propriedade ou arrendamento de veículo de aluguel; experiência de 3 (três) anos ou aprovação em curso específico; para a Empresa de Transporte, ter sede no Brasil; comprovar a propriedade ou arrendamento de veículo de carga; indicar um responsável técnico e demonstrar capacidade financeira e idoneidade dos sócios e do responsável técnico. Outras exigências para a inscrição no RNTR-C deverão ser fixadas pela ANTT na regulamentação da lei, em especial a documentação a ser apresentada e os procedimentos a serem adotados para a inscrição.
 
Responsável Técnico – A Empresa passa a ter obrigatoriamente um responsável técnico, figura que irá representá-la perante os órgãos públicos da União, dos Estados e Municípios, como responsável pelo cumprimento das normas que regem a atividade de transporte, em suas diversas especialidades (transporte de produtos perigosos, produtos que exigem uso de equipamentos específicos etc.), das normas de segurança e de trânsito (manutenção do veículo, uso dos equipamentos necessários e próprios, respeito aos limites de peso e dimensão do veículo etc.), das normas de vigilância sanitária, de saúde e de proteção ao meio ambiente.
Trata-se de normas que dependem da sua regulamentação para que tenha aplicação, dizendo a lei que cabe à ANTT regular as exigências curriculares e os cursos para a sua formação.
 
Curso para o Autônomo – Também para o TAC será exigida a comprovação de aprovação em curso de formação, cujo currículo, tempo de duração e outras exigências serão fixadas pela regulamentação a ser baixada pela ANTT. Os atuais transportadores autônomos com três anos de experiência serão dispensados da comprovação do curso. A exigência só terá aplicação depois da regulamentação pela ANTT.
 
Autônomo – A lei estabelece que o Transportador Autônomo de Cargas – TAC poderá formalizar contrato de transporte como agregado ou independente. O TAC independente é aquele que se contrata esporadicamente, sem exclusividade, mediante remuneração por viagem. Agregado é o autônomo que coloca o seu veículo contratado com exclusividade para quem o contrata, mediante remuneração que pode ser certa ou por viagem.
 
Vínculo de emprego do Autônomo – Estabelece a lei que o contrato com o transportador autônomo, seja independente ou agregado, é de natureza comercial, não ensejando em nenhuma hipótese a caracterização de vínculo de emprego. A competência para o julgamento das ações que surgirem em razão dos contratos de transporte celebrados pelo transportador autônomo será da Justiça Comum, em razão da natureza comercial do contrato.