Desde a chegada do novo milênio, o transporte RODOVIáRIO de cargas vem passando por significativas mudanças impostas pelos marcos regulatórios atribuídos ao setor.
No início da década de 2000, tivemos a regulamentação da lei do vale-pedágio n° 10.209 que instituiu o pagamento deste custo pelo embarcador contratante destacado do valor do frete. Em 2006, a resolução n° 211 do Contran, mais conhecida como lei da balança, entra em vigor com o objetivo de regulamentar os limites máximos permitidos de peso bruto total – PBT, preso bruto total combinado – PBTC e peso transmitido por eixo de veículos ou combinações de veículos de carga às superfícies das rodoviárias.
Logo após, em 2007, a Receita Federal do Brasil institui pelo ajuste SINIEF 09/2007, a utilização do conhecimento de transporte eletrônico – CTe que substituiu o sistema atual de emissão do conhecimento de transporte rodoviário de carga em papel pelo formato eletrônico, que passa a ter validade jurídica para todos os fins. Em 2010, através do ajuste SINIEF 21/2010, com o objetivo de agilizar o registro em lote de documentos fiscais em trânsito e identificar a unidade de carga utilizada e demais características do transporte, a mesma Receita Federal institui a utilização do manifesto eletrônico de documentos fiscais – MDFe.
Em 2011, através da Resolução ANTT nº 3.658, tivemos a implementação do código identificador da operação de transporte, o Ciot, que foi criado para regularizar a forma de pagamento dos fretes realizados pelos transportadores autônomos e equiparados, tornando ilegal a utilização da conhecida carta frete.
No ano seguinte em 2012, a Lei nº 12.619 que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista veio com o objetivo de proporcionar um controle da jornada realizada pelos motoristas alterando a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT para a classe.
Tais marcos regulatórios, trouxeram inúmeros benefícios para os próprios transportadores, para os tomadores de serviços, para os órgãos responsáveis pela administração tributária bem como para toda a sociedade, porém também exigiram grandes investimentos por parte das empresas de transportes de cargas em sistemas de informação, infraestrutura tecnológica adequada e maior nível de qualificação de seus colaboradores. Estas imposições ao segmento, vêm ao longo dos anos, peneirando o mercado de transporte, onde as empresas que possuem uma administração bem apurada e equilíbrio financeiro estão se sobressaindo, enquanto as empresas que não se atualizaram para esta nova realidade estão fadadas ao fracasso encerrando suas atividades.
Todos estes marcos citados acima, seguramente causaram turbulência no segmento por um determinado momento, porém certamente nenhum deles irá movimentar mais o setor do que o novo marco regulatório do transporte de cargas no Brasil (Projeto de lei 4860/2018), que disciplina questões como frete, seguro, relações contratuais e penalidades do Código de Trânsito Brasileiro. Dentre estas questões destaco a Medida Provisória nº 832/2018 que foi convertida na Lei nº 13.703/2018.
Esta medida, bem como este marco regulatório, se deu após a greve dos caminhoneiros que se iniciou em 21 de maio de 2018, se arrastando por dez dias, e paralisou serviços como fornecimento de combustíveis e distribuição de alimentos e insumos médicos, levando o país à beira do colapso. Como fruto, estabeleceu-se a POLíTICA Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas.
Em meio a pressão do setor mediante a greve, sem um estudo profundo sobre a situação, a ANTT publicou a resolução ANTT nº 5.820/ 2018 contendo tabelas com pisos mínimos de frete de natureza vinculativa contendo valores de quilometro rodado por eixo carregado divididos nas seguintes categorias: carga geral, a granel, frigorificada, perigosa e neogranel.
Logo em seguida consolidando esta situação, a lei nº 13.703/2018 estabeleceu que a publicação dos pisos ocorrerá até os dias 20 de janeiro e 20 de julho de cada ano, e os valores serão válidos para o semestre em que a norma for editada, sendo corrigidas pelo IPCA e também pela variação do preço do diesel conforme determinação legal.
Segundo estudo realizado pelos pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande (FURG) Cristiano Oliveira e Rafael Mesquita Pereira, a aplicação da resolução ANTT nº 5.820/ 2018 aumentou em média 30 % os preços mínimos dos fretes que vinha sendo praticados no mercado antes de vigorar a resolução. O estudo também mostrou que após a implementação dos pisos mínimos, a renda dos autônomos reduziu cerca de 20 %, enquanto o faturamento dos transportadores aumentaram em até 28 %, ou seja, como efeito imediato as paralisações, os autônomos foram prejudicados e os transportadores foram beneficiados.
Observando o poder de barganha dos transportadores comparado aos autônomos, é evidente que os transportadores têm uma condição maior de impor o uso do piso mínimo dos fretes. Neste sentido, os autônomos, com sua menor capacidade de negociação, vêm sendo significativamente prejudicados. Outro fator que vem corroborando com esta situação, é o fato de os autônomos não possuírem uma demanda tão elástica quanto os transportadores, e serem mais afetados com a queda da demanda ocasionada consequentemente pelo aumento abrupto dos fretes. Diante deste cenário, os autônomos possivelmente passaram a receber mais por frete realizado, porém vem realizando menos fretes, reduzindo sua receita total.
Os pesquisadores sugerem que toda esta movimentação disfarça um grande locaute (greve de patrões, prática proibida no Brasil) com o único objetivo de obter rent-seeking.
Em meio a toda esta movimentação que se deu após as paralizações, envolvendo a atuação pouco eficiente do governo com o congelamento dos preços do óleo diesel afetando diretamente a Petrobras, a negligencia histórica de outros modais que poderiam interferir significativamente na matriz de transporte nacional e toda movimentação realizada pelos demais agentes que possuem capacidade para impactar significativamente o segmento, fica evidente que tanto os transportadores autônomos quanto as empresas de transporte não terão vida fácil até que seja adotada medidas consistentes no sentido de regular o mercado de fretes no Brasil.
Enquanto tais medidas não são tomadas, os transportadores continuarão com a difícil missão de sobreviver em um mercado extremamente incerto e com grandes riscos, convivendo com uma carga tributária abusiva e sendo extremamente massacrados pelos grandes embarcadores. Tal situação, tem um efeito ainda mais devastador quando olhamos para os transportadores autônomos que se posicionam como o elo mais fraco da cadeia. Desta forma, fica difícil em prever o futuro, porém temos a certeza de que cada vez mais teremos que praticar uma gestão com excelência, sem cometer excessos e equívocos estratégicos, pois no presente não temos margem alguma para tais ingerências ou erros.
Responsável: Carlos Alberto Mazon