Os leilões de março na área de infraestrutura terminaram sexta (29) com mais um sucesso, mas vem por aí uma indesejável entressafra. A prateleira de concessões prontas ou bem encaminhadas para licitação ficou esvaziada após a oferta de 12 aeroportos, quatro terminais portuários e da Ferrovia Norte-Sul. Há mais de um mês tem sido empurrada para frente, sem muitas explicações, a primeira reunião do conselho de ministros do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) no novo governo, que buscaria justamente repor o cardápio de ativos à iniciativa privada.
Sem a reunião do conselho, novos projetos não podem ser qualificados no PPI. E o círculo vicioso prossegue: sem qualificação no PPI, os ativos ficam impedidos de entrar no Plano Nacional de Desestatização (PND); fora do PND, o BNDES não contrata estudos de viabilidade dos projetos que lhe dizem respeito e o Tribunal de Contas da União (TCU) não leva adiante a análise obrigatória da concessão. Pode soar como uma interminável sopa de letrinhas da máquina burocrática, mas é assim que deveria funcionar a vida de um governo disposto a avançar na agenda de privatizações.
Tido como um núcleo de excelência na administração federal, com corpo técnico enxuto e altamente credenciado, o PPI foi disputado entre vários grupos do bolsonarismo durante os trabalhos da equipe de transição. A Secretaria de Governo, a Secretaria-Geral da Presidência e até o vice-presidente Hamilton Mourão tinham interesse em comandá-lo.
Após sucesso nos leilões de março, PPI aguarda medida provisória para qualificar projetos em conselho de ministros.
Acabou ficando sob a alçada do ministro Carlos Alberto Santos Cruz (Secretaria de Governo) e tendo o auditor do TCU Adalberto Vasconcelos, técnico bastante respeitado no mercado, à frente do dia a dia. As atribuições do PPI foram ampliadas por um decreto presidencial logo na primeira semana no início de janeiro, mas a área jurídica descobriu uma série de lacunas que impedem o pleno exercício das novas competências.
O jeito, segundo autoridades na área de infraestrutura, é editar uma medida provisória “azeitando” essa estrutura. A MP precisa incluir pelo menos um ministério recém-criado – o de Desenvolvimento Regional – no conselho do PPI e dar mais amparo legal às atribuições de secretários envolvidos, por exemplo, com o licenciamento ambiental de projetos ou a gestão de fundo hoje sob controle da Caixa. Só que, em mais uma mostra de desarticulação do governo, a edição da MP não anda.
A paralisia tem ainda o potencial de minar a reputação do PPI, que vinha se apresentando justamente como um órgão de planejamento de Estado, que perpassa mudança de governos. Tanto que as concessões bem sucedidas deste mês são uma herança da gestão Michel Temer (MDB). Todas foram desenhadas pelo próprio Vasconcelos, secretário especial do programa, e pelo hoje ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, que era seu braço direito.
Os leilões de março ainda têm uma “repescagem” no dia 5 de abril, quando serão oferecidos seis terminais portuários, em Miramar e Vila do Conde (PA). Depois disso, a carteira de licitações no curto prazo se esgota. Até a oferta de excedentes da cessão onerosa no pré-sal precisa ser qualificada no PPI para avançar.
O setor de transportes detém a maior lista de projetos bem encaminhados para inclusão no programa de concessões. Pelo menos quatro terminais de granéis líquidos no Porto de Itaqui (MA) e os estudos para a relicitação do terminal de contêineres da Libra em Santos (SP) estão prestes a ter aval.
Há ainda uma relação extensa de rodovias no prelo. Nela se incluem as relicitações da Presidente Dutra (atualmente Nova Dutra), que será reagrupada com a Rio-Santos; da BR-116 no Rio de Janeiro (hoje CRT), que terá o Arco Metropolitano no mesmo lote; e da BR-040 entre o Rio e Juiz de Fora.
Também estão prontas para qualificação no PPI a BR-381 entre Belo Horizonte e Governador Valadares (conhecida como Rodovia da Morte) e o trecho da BR-163 até os portos fluviais do Pará (fundamental para o escoamento de grãos pelo chamado Arco Norte).
Um “superleilão” de rodovias no Paraná, com o Anel de Integração do Estado, também precisa ser agilizado. O atual contrato do anel, que abrange 2.500 quilômetros de estradas, vence em 2021. Outros mil quilômetros devem se somar.
Para fontes do governo, deve-se ver também a inclusão de novos projetos na carteira do PPI como um sinal de compromisso com a agenda de privatizações. Em Brasília, considera-se que um dos fatores para o sucesso do recente leilão de 12 aeroportos foi a divulgação de que outros 44 terminais hoje nas mãos da Infraero também vão ser concedidos até 2022.
Isso teria feito com que grupos estrangeiros ainda sem presença no Brasil, como a espanhola Aena (vitoriosa no bloco do Nordeste), viessem fazer uma “degustação” de Brasil: sentir a temperatura ambiente de negócios, aprender a tirar uma licença ambiental, tratar com órgãos reguladores. E, assim, alçar voos mais altos no futuro.