A pandemia trouxe a necessidade de isolamento social e com isto a instituição de novas formas de trabalho, de relacionamento, mudança nas estruturas e cultura organizacional. Mais que mudar o local de trabalho, a grande questão foi como chegar aos resultados esperados em um momento totalmente imprevisível.
Vivemos um momento nunca imaginado. A ideia de mundo globalizado, sem fronteiras, atingiu seu ápice, infelizmente, de uma maneira negativa. Nem mesmo as organizações de ponta tinham no seu planejamento um plano de contingência para uma pandemia global. Foi uma corrida para atender o agora, sem saber onde e quando chegaríamos ao ponto final.
Já estávamos vivendo no “Mundo VUCA” (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade), as organizações sendo exigidas a entregar o melhor em menos tempo, e a pandemia nos apresentou que tudo pode ser atualizado e exponenciado, nos obrigando a viver em uma nova versão de mundo.
Esta corrida atrás do desconhecido foi movida pelo stress que apresenta dois lados: O stress que paralisa e o stress que movimenta. Como animais ativamos o nosso modo sobrevivência e direcionamos toda a nossa força no agir e atacar o inimigo.
Este instinto foi vivenciado, sentimos na pele e em toda a economia, com destaque para a cadeia logística. O transporte, na categoria de necessidade básica, assumiu um status poucas vezes alcançado. E em um dilema: Como adaptar uma área que “roda”, enquanto o mundo diz pare?
O desafio foi como atender a necessidade de suprir o país e ainda assim proteger nosso bem maior: as pessoas, os nossos colaboradores. Como os motoristas e toda a equipe operacional trabalhariam seguros, mesmo estando na contramão das orientações gerais?
Nesta turbulência a parceria do corpo diretivo, jurídico e recursos humanos foi essencial para o sucesso de cada uma das batalhas e sobrevivência da organização. Além de toda a incerteza, assim como o abalo sofrido pela economia, necessário se fez aprender a lidar com as constantes modificações na legislação trabalhista emergencial, traduzidas nas denominadas MPs (medidas provisórias). Nem mesmo os mais altos poderes saíram ilesos. As decisões precisavam ser rápidas e sempre atentas as novas diretrizes.
Enquanto não sabíamos as consequências da pandemia, a atitude foi diminuir o risco e agir. E uma das primeiras ações foi decidir as funções e profissionais que poderiam trabalhar à distância. O home office, teletrabalho ou trabalho remoto, modalidades nunca cogitadas em uma transportadora, tornaram-se necessárias para que a atividade econômica não fosse interrompida.
O trabalho remoto já estava previsto na CLT, art. 6o, e ganhou ênfase na reforma trabalhista, nos termos dos arts. 75-A a 75-E, mas ainda não era bem visto por empregados e empregadores, e, portanto, pouco praticado.
O artigo 75-C da CLT, desde 2017, determina que a prestação de serviços, na modalidade de teletrabalho, deve constar expressamente do contrato individual de trabalho ou termo aditivo de contrato de trabalho, especificando as atividades que serão desenvolvidas pelo empregado e o modus operandi, sendo necessária a
anuência do empregado, ou seja, não se trata de mera liberalidade do empregador.
A CLT ainda prevê que o retorno ao trabalho presencial é decisão do empregador, com prazo de 15 dias para transição. Já a Medida Provisória 927 desburocratizou o teletrabalho e permitiu que a empresa decidisse o momento propício a ser aplicado, não sendo necessário um aditivo contratual naquele momento, bastando a empresa comunicar por escrito ou por meio eletrônico ao empregado com 48 horas de antecedência. Lembrando que o teletrabalho da pandemia é transitório e excepcional, sendo a CLT a regra prevalente.
Fato é que a lei trabalhista autoriza esta modalidade, exigindo, na prática, apenas formalização, adaptações e políticas internas nas empresas, inclusive quanto a saúde e segurança do trabalhador.
Ou seja, já não é apenas uma tendência e sim uma realidade, que traz a necessidade de se pensar na infraestrutura e nas ferramentas de trabalho, sejam um computador, internet, telefone, bem como trabalhar a comunicação e cultura organizacional.
Observe-se que a Lei trabalhista nada fala sobre custos decorrentes dessa modalidade de trabalho, como internet, telefone e infraestrutura em geral, o que precisa ser pactuado entre as partes desde o início do teletrabalho.
Evidentemente que o teletrabalho traz alguns benefícios, reduz o tempo em trânsito, reduz despesas de deslocamento casa trabalho e vice-versa, pode aumentar o bem-estar físico e emocional, mas exige organização e foco, para que sejam obtidos resultados satisfatórios.
Vale observar que, de acordo com a Lei trabalhista, o empregado em teletrabalho permanente ficará dispensado de controle de jornada, de acordo com o artigo 62, III, da CLT, afastando a necessidade de pagamento de horas extras. Entretanto, nada impede que empregado e empregador pactuem a forma de controle que poderá ser por tarefa ou por horário, o que deve estar definido com clareza no contrato de trabalho.
Para finalizar, note-se que persiste a discussão sobre a diferença entre teletrabalho e home office, que pode ser sanada com uma comunicação clara e precisa.
O teletrabalho é realizado sem controle de jornada, fora das dependências do empregador, de forma habitual, não se constituindo trabalho externo, com anotação expressa no contrato de trabalho, inclusive sobre especificações da modalidade adotada.
Enquanto o home office é executado na residência do trabalhador, de forma eventual, não possui disposição expressa na CLT, deve ser instituído em norma interna do empregador e não exige formalização no contrato de trabalho. Nestes casos, o exercício de suas funções poderá ser realizado de casa em determinados dias da semana ou períodos, de modo que poderá inclusive prestar o serviço parte em sua residência, parte na sede da empresa, permanecendo o trabalhador com o direito de receber horas extras e adicional noturno, quando aplicáveis.
Sempre recomenda-se consultar a CCT da categoria, bem como seu advogado para os pormenores da relação contratual, o qual adaptará a Lei a sua realidade e ramo de atuação.
Muito mais que uma mudança nas formas de trabalho, está ocorrendo uma mudança de mindset. Que o mundo não será mais o mesmo é fato, mas cabe a nós enfrentarmos este desafio potencializando as competências em prol da satisfação de todos. Unindo o atendimento as normas recomendadas, qualidade do trabalho e nas pessoas, teremos como resultado o fortalecimento e crescimento das organizações.
Por: Deborah Christiane Cardoso Corrêa e Valéria Melnik