Governo brasileiro negocia para tentar flexibilizar restrições
O ritmo lento de vacinação contra a covid-19 aliado ao quadro com mais de 370 mil mortes e às notícias de circulação de variantes do vírus no Brasil resultaram em novas restrições às exportações brasileiras por países como Argentina e Chile. Esses países exigem que os motoristas de caminhões de carga apresentem testes negativos da doença na fronteira. A medida atinge principalmente a exportação brasileira de bens manufaturados, que usam principalmente as rodovias para chegar aos destinos sul-americanos. Nos embarques brasileiros aos argentinos, mais da metade é transportada por caminhões.
Em nota, o governo brasileiro diz que abriu negociações com países vizinhos para evitar o bloqueio de caminhoneiros que não apresentarem o resultado de teste para covid-19. O risco de interrupção no fluxo de cargas aos países da região levou o governo a organizar ações entre os ministérios da Infraestrutura, da Saúde e das Relações Exteriores, além da Casa Civil, responsável pela coordenação.
Representantes do setor de transporte de cargas reconhecem a preocupação e importância das medidas sanitárias, mas pedem ao governo negociação para flexibilização das exigências. Além do desembolso com o teste de covid, que deve ser incorporado na cadeia logística e impactar o preço do produto exportado, apontam, há também o desembolso pelo custo da espera do resultado do exame, o que tarda em um a quatro dias a liberação para entrada no país.
O custo é calculado em R$ 1 mil ao dia por veículo, segundo Danilo Guedes, vice-presidente para o transporte internacional da Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC&Logística). Somente nas cidades fronteiriças de Uruguaiana e São Borja, diz, passam em média 700 caminhões diariamente. A exigência do teste por países da América do Sul pode criar uma indústria de aplicação do exame e um desembolso inesperado da ordem de R$1,5 milhão por semana para companhias brasileiras, diz Sônia Rotondo, consultora do setor e ex-diretora da NTC&Logística.
A Argentina é o terceiro parceiro comercial do Brasil. Em 2020, os argentinos absorveram US$ 8,49 bilhões em exportações brasileiras, sendo 52,4% disso embarcado por via rodoviária. Para o Chile, foram exportados US$ 3,85 bilhões, sendo 45,2% por estradas.
Welber Barral, estrategista de comércio exterior da Ourinvest, diz que a medida é dificilmente contestável, por estar no contexto da pandemia, no qual vários países do mundo impõem restrições a viajantes brasileiros. Ex-secretário de comércio exterior, Barral avalia que há poucas chances de negociação, dada a gravidade dos indicadores da doença no Brasil. “Não há alternativas. Ou cumprimos as exigências ou paramos de exportar”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Em março, países sul-americanos como Peru, Argentina, Paraguai Bolívia e Colômbia já haviam identificado a variante brasileira P.1 circulando em regiões dos respectivos países. Para algumas autoridades locais, a cepa estaria por trás de explosões de casos de covid-19 e por isso poderiam demandar restrições mais duras contra viajantes brasileiros.
A medida argentina que exige a apresentação do teste RT-PCR negativo passou a ser exigida desde o último dia 14, lembra Jean Vicente Fresinghelli Brandão, supervisor de operações da tansportadora Veloce em São Borja, município que faz limite com a cidade argentina Santo Tomé. Como o resultado do teste pedido sai somente no dia seguinte, a exigência demanda pelo menos um dia a mais de espera do caminhoneiro para liberação da entrada em território argentino.
Caso o caminhoneiro chegue à fronteira na sexta-feira após o meio-dia, explica o supervisor, o teste só pode ser feito na segunda seguinte, com libração de entrada na terça, o que amplia a espera para quatro dias. “Entendemos a necessidade do exame. Algo que poderia facilitar é a possibilidade de se apresentar o teste rápido, que demandaria menos tempo e tem custo menor”, diz Brandão. Segundo ele, os caminhões da Veloce fazem pelo menos 500 viagens ao mês rumo à Argentina e ao Chile, transportando principalmente autopeças, gêneros alimentícios e produtos de higiene pessoal.
Castro, da AEB, ressalta que os produtos manufaturados tendem a ser os mais atingidos, já que os mercados sul-americanos são grandes compradores de bens da indústria de transformação brasileira. Segundo dados do Ministério da Economia, dos embarques à Argentina por rodovias em 2020, partes e acessórios de automóveis e veículos, tratores e máquinas para colheita estavam entre os itens mais importantes. Para o Chile, no mesmo critério, a lista inclui carnes bovinas e suínas, além de tratores, carrocerias e chassis com motor para veículos. Os dados do governo mostram ainda que 52,2% dos embarques de automóveis para passageiros brasileiros em 2020 tiveram a Argentina como destino. Considerando parte e peças de veículos, a fatia foi de 43,7%.